Um TEDx sobre o Diálogo
Arnaldo Bassoli
Imagine um mundo em que as pessoas dialogam umas com as outras, e, assim, compreendem umas às outras. Nesse mundo, em vez de tentar atenuar as diferenças, para atenuar os conflitos, a gente pode permitir e até acentuar essas diferenças, para percebê-las com clareza, com base no respeito pelo diferente. As diferenças somam.
Então olhamos com atenção para a pessoa quando a ouvimos. Ela é diferente! E, ao respeitar isso, ao perceber a coerência dela, paradoxalmente descubro que também sou como ela… somos diferentes e iguais ao mesmo tempo.
E que todos, ao compreender que eu também sou você, ajudam todos a serem mais como são de verdade, autenticamente.
Eu digo a vocês – esse mundo é possível. O que é necessário é aprender a dialogar. E, by the way, antes de falar em cidadania, que todo mundo fala hoje, precisamos reaprender a dialogar!
Chega de acreditar que o individualismo e o isolamento resolvem os problemas!
Mas…
Nunca estivemos tão conectados – celulares, computadores, aplicativos, tecnologia –, nunca estivemos tão desconectados.
Perdemos a sensação de conexão com o outro,
Perdemos a sensação de conexão com a gente mesmo.
O que fazer?
Já devem ter percebido que o mundo precisa, agora, de infinitas mudanças pequenas… Não dá para ficar esperando o instante iluminado em que tudo e todas as coisas mudarão para sempre e de uma vez…
Vamos mudando situação por situação! Pequenos atos mudam o mundo!
Vamos começar pela comunicação?
Comunicação é muito importante. Quem não comunica se estrumbica… Tudo o que acontece está na nossa comunicação.
A comunicação cria mundos sociais.
Podemos criar mundos em que o modo como nos ligamos aos outros é muito pobre. Conhecem aquelas encrencas em que a gente sem motivo fica enganchado? Os famosos “mal-entendidos” que demoram um tempão para desfazer?
Que tipo de comunicação precisamos para criar os mundos sociais que queremos?
Se vamos falar em comunicação, vamos falar em significado. Sabemos que cada um vê as coisas à sua maneira. Sabemos que cada um dá significados diferentes aos mesmos dados ou fatos. Somos polissêmicos – seres de múltiplos significados.
Então, se cada um vê tudo de um jeito diferente, como é possível conviver? Como chegar à base comum entre os seres humanos? Como fazer com que as nossas diferenças não sejam divisões e separatividades?
Existe um tipo de conversa que pode resolver a distância que sentimos uns dos outros, e esse problema de cada um viver seus próprios significados. Uma conversa que todos achamos que sabemos fazer e que fazemos… mas não sabemos e fazemos muito pouco!
É o Diálogo.
A palavra Diálogo é usada no mundão de modo muito impreciso. Chamamos de Diálogo coisas que na verdade são negociação:
. pai e filho na hora de ir prá balada
. palestinos e israelenses
. empresas e sindicatos
. professores e alunos
. profissionais da saúde e seus clientes, nos hospitais
Chamamos de Diálogo coisas que na verdade são debate ou discussão. A maior parte das conversações que temos não é Diálogo.
Vocês sabem o que quer dizer Diálogo?
Diálogo vem de Dia e Logos. Dia não é Di. Di é dois: dicotomia. Dia quer dizer através.
. diâmetro – a linha que passa pelo centro do círculo, e o atravessa;
. a cortina diáfana, através da qual passa a luz;
. no tempo do onça, os slides de fotos – não de powerpoint – que eram projetados na parede quando a luz passava através deles – os diapositivos
. o diafragma – através da separação
E Logos?
Logos tem muitos significados. Quer dizer estudo de, conhecimento, palavra, razão; mas para nós aqui, hoje, interessa principalmente que logos quer dizer sentido, significado. O logos de estarmos aqui, hoje, é falar sobre Diálogo.
Então o Diálogo é a situação em que um significado atravessa, ou quando sou atravessado por um significado.
A maior parte das comunicações acontece sem que possamos realmente compartilhar o significado do que está sendo dito!
Por exemplo:
Digo a vocês: “Faço questão de ser sempre muito pontual”. (Posso imaginar as reações: oxi, que cara chato; deve ser um obsessivo! parece o meu pai; Deus me livre ser aluno dele!’; eu também não tolero atrasos!
Até aqui, ficamos na camada dos estereótipos e preconceitos, da persona – a máscara social. Mas se formos ver direito, o significado da pontualidade ainda não está completamente claro na nossa comunicação! Não atravessou.
Quem sabe alguém pergunta:
Mas por que você faz tanta questão de ser pontual?
Respondo: eu atrasava em todos os compromissos que assumia. Marcava às 9 e chegava às 9 e meia, dez horas… aprendi a atrasar porque os outros atrasavam também, e cansei de ficar esperando. Já que alguém tem que esperar, que não seja eu, né?
Então fui morar um pouco em um outro país. Lá a regra era ser pontual. Marcou às 9, chegou às 9. Nem cinco para as nove, nem nove e cinco. (Lá não tinha o trânsito de São Paulo, também…).
Mas eu percebi que sendo pontual, e todo mundo sendo pontual, eu ganhava muito tempo do meu dia. Até as oito e quarenta eu podia fazer as minhas coisas. E a pessoa sempre estava lá às 9 também.
Fiquei feliz em ter muito mais tempo para fazer o que eu quero. Pontualidade me faz bem!
E não sou rígido. Se a pessoa tem um problema ou um contratempo, e me avisa, tudo bem…
O significado da minha pontualidade atravessou vocês?
Alguém tem alguma dúvida sobre por quê sou pontual?
Compartilham comigo o significado que isso tem para mim?
Agora vocês me compreendem melhor?
Com isso alguém se sente obrigado, a partir de agora, a ser pontual? Não.
Talvez até considerem de um jeito diferente, na vida de vocês, a questão da pontualidade. Ou não. “Não gosto de ser pontual porque meu pai era tremendamente rígido quanto a isso e eu nunca pude escolher direito o horário de chegar…” Também faz sentido.
Percebam que aqui a tentação é perguntar: quem tem mais razão? Ele, ou o outro que atrasa? E se ambos tiverem razão? Ambos tiverem toda a razão?)
“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um via as coisas com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão.
Fiquei confuso dessa dupla existência da verdade. ”
Fernando Pessoa
Isso é o Diálogo. É compreender o significado que as coisas têm para o outro – sem ter que se sentir obrigado a pensar do mesmo jeito, sem querer julgar se é melhor ou pior – apreciar a coerência da idéia de cada um!
Há uma ética profunda no Diálogo – a da compreensão.
Independentemente do que sentem sobre a pontualidade, percebem que agora que vocês me compreendem melhor se estabelece uma conexão diferente entre nós? Estamos mais conectados ou não?
O DIÁLOGO É A CONVERSA QUE RECOMPÕE A CONEXÃO ENTRE AS PESSOAS.
A CONVERSA QUE REGENERA A CONEXÃO.
Diálogo não cria conexão; ela está sempre aí!
Diálogo revela as conexões profundas que já temos entre nós.
O que as pessoas querem, o que elas precisam, o que elas prezam até mais do que qualquer posição, qualquer inteligência brilhante, qualquer realização material, é a conexão. Com elas mesmas, com o Outro, com o mundo, com deus, com a natureza… relacionamento.
Discussão não traz conexão. Briga, argumento, não traz conexão. Competição não traz conexão. Compreender o outro traz conexão. Compreender o significado das coisas para ele. Diálogo traz conexão – compartilhar significados.
Compartilhar significado é o que mantém unidos os indivíduos, as sociedades, os grupos, as famílias, as nações. Esse é o cimento social.
E o nosso está muito pobre. A gente se mata por diferenças que não são importantes. Freud chamava isso de “Narcisismo das Pequenas Diferenças”.
Não estou querendo dizer que o Diálogo é a salvação para tudo, e que só se deve fazer Diálogo. Há outros tipos de conversas que também são muito importantes.
A Discussão é uma conversa em que usamos análise em busca de uma conclusão. Serve muito bem para tomar decisões, lidar com escolhas. Por exemplo, se fôssemos estabelecer uma política pública, ou um planejamento estratégico, ou simplesmente comprar canetas para os alunos da nossa escola.
Mas não é sempre que precisamos discutir ou chegar a uma conclusão.
Na minha experiência, muitas vezes discutimos quando não precisamos. Discutimos até sem perceber! Fica tudo por conta de “quem é melhor”, quem pensa mais bacana… Competição demais!
O Debate é outro tipo de conversa. É a conversa em que eu entro para ganhar, prevalecer, vencer.
Não precisa ir muito longe para achar um exemplo: o debate político na televisão. As pessoas entram para ganhar, não para admitir que o programa de governo do outro é melhor.
Sempre fico surpreso em ver como a gente debate até sem perceber! Quero anular o outro. Ganhar dele. Competição de novo! Visão de mundo baseada na escassez!
Mas o debate também é importante, para destruir a destruição. Desarmar, para construir depois. É o Aikidô.
O que acontece é que temos esses três fundamentos de conversas: debate, discussão e diálogo. Na nossa sociedade, se cada uma delas fosse um pé de uma mesa, essa mesa estaria totalmente torta. A perna do debate e a da discussão são muito maiores do que a perna do Diálogo.
Conhecem isso? É um hábito da nossa sociedade, um vício, um condicionamento… Não tem a menor necessidade de ser assim!!!
Sentamos em círculo,
falamos e falamos.
Falamos até que
comece a Fala.
(de uma tribo de índios norte-americanos)
O Diálogo é integrativo. É a conexão entre as pessoas. A “Fala”. Precisamos de muito mais Diálogo do que praticamos!
Onde há julgamentos também não há Diálogo. Diálogo não é sobre comparações, sobre “melhor” e “pior”.
No Diálogo não há certo e errado. No Diálogo, faz sentido ou não faz sentido! Quando faz sentido, Tamo junto! Estamos re-ligados! Co-erentes: co, junto; haerere, estar…
Onde as pessoas falam “concordo”, ou “discordo”, não há Diálogo – quando muito, há uma discussão! O modelo mental do concordo-discordo é um automatismo… em que afunilamos o nosso pensamento, o nosso ser, o nosso mundo. Esse automatismo pertence ao mundo linear, ao mundo da competição, não o mundo do significado.
Espero que tenha ficado claro que não estou dizendo que o Diálogo é remédio para todos os males. Nem que discussão e debate são “ruins”. Cada coisa tem o seu lugar. Precisamos das três pernas da mesa!
Diálogo não resolve tudo – a especialidade dele é aproximar as pessoas. E estamos muito distantes, muito separados… precisamos muito dele nesse momento. O cimento social, a conexão entre as pessoas está muito ruim!
Para entrar no Diálogo é necessário que estejam presentes três condições – se uma delas faltar, não há Diálogo:
1. Igualdade
Na hora do diálogo, somos todos iguais. Chefe e subordinado, professor e aluno, pai e filho, jovem e idoso, médico e paciente…
E iguais assim (como postado no Facebook):
Três pessoas, três caixotes, um jogo de futebol. Como usar os recursos “igualmente”? A “igualdade” quantitativa, que segue a norma “o mesmo para todos e cada um”, ou a igualdade humanista e qualitativa, de oferecer oportunidades a todos?
2. Ouvir, escuta empática
Ouvir.
Ouvir é um sentido ativo: já tentou falar algo para alguém que não quer escutar?
A qualidade da escuta determina a qualidade da fala. No Diálogo é muito mais importante a pessoa que escuta do que a pessoa que fala.
Ver vê a luz refletida na superfície da pessoa; ouvir ouve o som que vem de dentro da pessoa!
Empatia é se colocar no lugar do outro. Mas para fazer isso eu preciso me esvaziar temporariamente das minhas idéias, dos meus conceitos, das minhas “idéias sobre o certo e o errado”, o bem e o mal, para poder entrar no mundo do outro.
O Outro está aí e eu preciso ir até ele, entrar delicadamente no mundo dele, sem perder contato com o meu mundo…
Perceber o que está lá – medo? raiva? impotência? mágoa? coragem? amor? – sem querer que ele seja como eu, sem querer corrigi-lo, sem querer mostrar coisas para ele ou ela que eu vejo, mas que seriam ameaçadoras demais para ele… E depois, voltar para o meu mundo. Transformado, com certeza, pelo encanto de descobrir mundos tão diferentes e iguais… mas, para o meu mundo.
Isto é importante: só consigo ser empático se tenho segurança suficiente para ver o mundo do outro sem preconceito, e depois voltar para o meu… pessoas inseguras de si mesmas não são empáticas. Se sentem ameaçadas pela verdade do outro. Viram fanáticas, fundamentalistas: quanto mais ameaçadas se sentem pela verdade “diferente” do outro, mais rígidas se tornam. Elas não vêem que, no fundo, todas as verdades verdadeiras são iguais: elas vêm do coração. E, ao insistir na separatividade, semeiam o conflito e a destruição.
Enfim, como ser empático? Fique quieto e escute! Não faça nada! Nada mais do que realmente escutar!
3. E por fim, a terceira condição para o Diálogo: poder falar sobre os pressupostos.
Falar em pressupostos é assumir a própria subjetividade – a condição de sujeito que cada um tem, sujeito da própria experiência.
Meus pressupostos são os meus apoios, experiências, crenças, que fazem com que eu veja as coisas como eu vejo.
Se não posso perguntar quais são, examinar os pressupostos – como no caso do chefe que está sempre certo – não pode haver Diálogo!
Quando olho de frente e claramente para um pressuposto, meu ou do outro, posso perceber se ele se aplica ou não ao caso em questão.
Mas o mais importante de tudo: eu olho para os meus pressupostos antes de criticar os dos outros!
Isso é humildade.
Se uma dessas condições – igualdade, ouvir empático e verificar pressupostos – estiver faltando, não é possível dialogar!
Respeitando essas condições, você vai ficar surpreso ao descobrir do que o Diálogo é capaz!!!
O Diálogo me traz À CONEXÃO entre nós.
O Diálogo é capaz de superar conflitos, inimizades, ultrapassar situações sem saída. Não praticamos porque não sabemos, e pensamos que sabemos!
Imagine se fôssemos habituados desde crianças ao Diálogo – procurar compreender o significado das coisas, em vez de receber esses significados de maneira imposta? Que tal compreender a Educação como o processo pelo qual aprendemos a compreender e a compartilhar significados?
De novo: o mundo está viciado em discussão, ou em debate. É o nosso vício mais profundo. Antes de ouvir o outro até o fim, já estou querendo corrigir, analisar, aparecer mais do que ele…
Assim não vamos muito longe, nas mudanças que estamos tendo e teremos que enfrentar.
As conversas “adversariais” pertencem a um estado de consciência que se presta mais a lidar com objetos – com coisas não vivas – do que com seres vivos… Seres vivos só são vivos porque estão conectados – interdependência!
E aquilo que é, no estado de consciência da competitividade cega, separado, em outro estado, mais expandido, é junto! A separatividade não é sustentável à luz de uma consciência mais ampla!
Vocês, que se relacionarão uns com os outros mais do que em qualquer outro momento da história, saibam: a nossa maior carência, hoje, não é de recursos – é de viver a conexão com significado.
E, o melhor de tudo – já estamos conectados. Se não, não estaríamos vivos.
Só que esquecemos disso e ficamos, distraídos, procurando em outro lugar (ideologias, dinheiro, status, individualismo, conflitos, guerras – lugares exteriores!) aquilo que já temos dentro de nós e não prestamos atenção.
O Diálogo não cria conexões – ele revela as conexões já existentes! Não somos deus para criar conexões. Esse trabalho já está feito por nós…
Para além das idéias de certo e errado
Há um território.
Encontro-me com você lá.
Rumi
Muito obrigado!
Arnaldo Bassoli, sócio-fundador da Escola de Diálogo, é psicoterapeuta de adultos, jovens, casais e famílias. Atua na Escola de Diálogo de São Paulo como coordenador, professor e mediador. Trabalha com a implantação da cultura de Diálogo em organizações de todos os setores – público, privado, ONGs das áreas de saúde, educação, gestão. Criou a Pedra Vermelha, braço social da Escola de Diálogo de São Paulo.