Escritos da Empatia
A Empatia é a Compaixão
Afonso Fonseca *
Instituto Carl R Rogers de Psicologia Fenomenológica.
Hoje muito se fala de ’empatia’, mas pouco se entende dela, e pouco se lhe pratica.
Cabe a Carl Rogers o ter resgatado a empatia, e a ter constituído como um importante elemento de sua Psicologia, e Psicoterapia.
Mas, mesmo no âmbito de sua abordagem, o conceito é mal compreendido.
Militam contra sua compreensão o individualismo e o objetivismo atrozes prevalecentes na sociedade norte americana, e em grande parte do pobre mundo dito ‘civilizado’.
Rogers conseguiu relativizar o individualismo e o objetivismo, constituindo-se heterogeneamente em relação ao meio norte americano, por ater-se à fenomenologia e por ater-se a dialógica de Martin Buber. E, assim, conseguiu salvar sua ideia de empatia.
Ouvi, certa vez, Maureen Miller — que trabalhou bastante proximamente com Carl Rogers, e era irlandesa — dizer que, perguntado se nada tinha melhorado na Psicologia, Ronald Laing teria respondido:
— Hoje fala-se muito de ’empatia’.
Quem conhecesse as idéias de Laing, sabe a importância que ele dava ao que estava querendo dizer.
Não que ele fosse um mestre da compreensão da empatia. Ele era só um britânico, existencialista, em busca de caminhos.
Mas intuía o significado da comunicação para o ser humano.
Carl Rogers também. Não era um mestre da empatia, mas teve uma coerência sólida em aderir à perspectiva da compreensão, como elemento metodológico, como elemento epistemológico, e ontológico.
Só quem entende o que é a cabeça dura e a disseminação do objetivismo nos Estados Unidos, e alhures, pode entender como foi heroica a resistência de Carl Rogers na perspectiva da compreensão, nos EUA e no mundo…
Isso apenas com o conhecimento de lampejos de uma Ontologia e de uma Epistemologia fenomenológicas.
Carl Rogers falava de compreensão empática. Como se houvesse outra… Como se não fosse todo pathos compreeensivo, e páthica toda compreensão.
Porque empatia é a vivência do pathos, no sentido Grego, e não Romano. A pathética. A sensibilidade emocionada.
E a vivência do pathos, a empatia, pré-conceitual e pré-reflexiva, é, por definição, a constituição cognitiva do desdobramento da ação. A preensão, a compreensão, cognitiva, do desdobramento da ação.
Além de compreensivo, o pathos é o modo de sermos do movimento, da movimentação, enquanto atualização de possibilidades, da moção, da motivação, e da emoção. O modo de sermos da sensibilidade emocionada. O modo de sermos da emoção. Da compreensão e da emoção.
Rogers intuiu a questão da compreensão, e fez dela a sua trincheira ontológica, epistemológica, e metodologicamente; negando-se, metodologicamente, ontológicamente, epistemologicamente, à explicação.
Algo atabalhoada e romanticamente, Carl Rogers intuiu a importância da ação.
Ainda que não tenha entendido a conexão entre empatia, pathos, copreensão, e ação. Talvez fosse pedir demais para seu tempo e lugar.
O importante, é que, nas suas experimentações, a adesão à compreensão, e ao pathos, a empatia, a sensibilidade emocionada, a emoção, abriram o caminho para que Rogers se abrisse a uma perspectiva fenomenológica, e dialógica, e se descolasse do objetivismo, e do individualismo. Abrido um caminho, no âmago da civilização ocidental, para a empatia, para a compreensão, para a compaixão.
Porque a empatia diz respeito ao modo ontológico, fenomenológico existencial, de sermos. Que é a nossa sensibilidade emocionada, o modo de sermos da emoção. Eminentemente da ordem da compreensão. E o modo ontológico de sermos não comporta o objetivismo e o individualismo.
Porque, nos episódios fenomenológicos do modo ontológico de sermos, nos episódios da ação, da existência, não vigoram nem objetos, nem sujeito; não somos nem objetos, nem sujeitos. O mundo não é nem objeto, nem sujeito.
Já imaginou um modo de sermos em que não somos nem objetos, nem sujeitos, em que o mundo, e seus elementos, não são nem objetos nem sujeitos. É o modo ontológico de sermos, fenomenológico existencial e dialógico. Modo de sermos da ação. A existência.
De uma só tacada, vão-se, na vivência do modo ontológico de sermos, o objetivismo, e o individualismo.
Porque, simultaneamente, o modo ontológico de sermos, modo de sermos da empatia, é, necessariamente, tanto fenomenológio, quanto dialógico. É o modo de sermos em que não somos, e mundo não é, nem sujeito, nem objeto. Ainda que se configure, a cada momento de sua vivência numa dualidade — que não é a dicotomia sujeito-objeto, mas — a dialógica eu-tu. Em que eu e tu, necessariamente vinculados, pela esfera do ‘entre’, compartilham não só o sentido e sua produção, mas a poiese, a ação, sua produção e desdobramento.
Um aspecto crucial, na dialógica do modo ontológico de sermos, sine qua non, é que ela faculta, como condição imprescindível, que eu tome conhecimento do outro, e o confirme. E que esta tomada de conhecimento e confirmação sejam recíprocos. Mesmo que seja apenas no conflito, na disputa.
Esta tomada de conhecimento, e confirmação recíprocos, e inerentes ao dialógico, é a compaixão.
Ao descobrimos, no modo de sermos da sensibilidade emocionada, que o outro não é um preconceito, nem um conceito, que o outro é como nós. Que luta para viver, que ama, que sofre… O que não é possível, quando guerreamos com conceitos e preconceitos, e não interagimos com outros, como nós. O que, igualmente, não é possível, quando o outro é apenas uma utilidade, ou um objeto.
Buber diria: o objeto há que consumir-se para tornar-se presença…
Laing diria, não encontraremos pessoas tratando-as apenas como objetos…
Nenhuma palavra talvez seja tão gasta ou distorcida como a simples ‘compaixão’. Ficou carregada do sentido Cristão de piedade. E nada tem a ver com isso. Trata-se da ideia como concebida nas civilizações orientais, de vivência páthica.
A mera descoberta que, completamente diferente, o outro é similar a nós. Dialógica da empatia.
* Afonso Fonseca é psicólogo, psicoterapeuta e facilitador de grupos.