Reflexões
sobre o Diálogo
Antônio
Sales Rios Neto*
www.antoniosales.blogspot.com
John
Briggs e David
Peat
Competição
ou
cooperação?
Arena ou ágora?
Patriarcal ou
matrística?
Totalitarismo ou
democracia?
Pirâmides ou redes?
Negação ou aceitação do
outro?
Esperteza ou
competência?
Utilitarismo ou
convivencialidade?
Linear ou complexo?
Discussão ou diálogo?
Há
muitas perspectivas para se observar esta crise do atual paradigma que
se
abate sobre a humanidade. Muitos pensadores, a exemplo do físico
quântico David
Bohm, vêem este fenômeno da atualidade como uma crise de significado
(“a doença
do pensamento”, segundo Bohm) e sugerem a prática do diálogo como meio
de
superação dos problemas humanos atuais e também como forma de resgatar
a
convivencialidade entre as pessoas, construindo relacionamentos mais
consistentes
nas equipes de trabalho, nas organizações, na sociedade e demais grupos
sociais. Em sua última fase da vida, Bohm dedicou-se ao estudo do
diálogo.
Preocupado com a questão ambiental e com a vida social e política do
mundo, ele
percebeu que a prática do diálogo era a forma mais adequada de as
pessoas
criarem significado compartilhado sobre o que pensam, evitando-se a
visão
fragmentada que normalmente se tem acerca dos problemas humanos. Isso
permitiria a unificação do pensamento coletivo e melhoraria a
capacidade humana
de aprender e tomar decisões que tragam sustentabilidade e longevidade
para as
organizações atuais. Esta foi talvez sua grande contribuição para áreas
como a
administração e a psicologia e já vem sendo utilizada com êxito por
muitas
empresas, governos e entidades transnacionais como a melhor estratégia
de
negociação.
Outro
bom exemplo são as consultoras americanas Linda Ellinor e Glenna
Gerard, que há
anos vêm desenvolvendo trabalhos sobre o diálogo dentro das
organizações. Elas
destacam a importância do poder do diálogo para a superação dos
problemas
humanos e afirmam que “o diálogo é um meio para que comecemos a
conhecer todas
as muitas maneiras pelas quais nos interligamos e integramos uma única
realidade compartilhada. Também é um meio para que percebamos a
natureza
contínua das mudanças que estão ocorrendo à nossa volta e de ajudar-nos
a
compreender e tirar significado daquilo que pode parecer uma desordem.
O
diálogo pode nos ajudar a ver os grandes padrões que permeiam nossas
vidas cotidianas.” O
exercício do diálogo requer o desenvolvimento de algumas capacidades
específicas como a suspensão de julgamento, o ato de ouvir e uma
postura
reflexiva. São atitudes e comportamentos que facilitam um processo
dialógico.
Ellinor e Gerard, por meio de suas experiências em organizações,
perceberam
algumas destas atitudes e comportamentos que tornam uma conversação
mais
criativa e transformadora, são elas: ·
Desenvolver
o diálogo focado em significado e aprendizagem
compartilhados para permitir a aceitação de possibilidades diversas e
obter
respostas criativas às necessidades do grupo; ·
Ouvir
sem resistência, principalmente quando houver pontos de vista
discordantes no grupo, para assimilar o significado das palavras dos
outros; ·
Liberar
a necessidade de resultados específicos para evitar uma
conversação convergente durante o processo, o que acaba induzindo os
pensamentos para um único resultado e restringindo o poder de criação
do
diálogo; ·
Valorizar
as diversidades, respeitando as diferenças que sempre
existem em todos os grupos e frequentemente separam as pessoas; ·
Suspender
papéis e status para permitir o ouvir e o falar abertamente
e potencializar a contribuição das pessoas; ·
Compartilhar
responsabilidade e liderança no grupo em que os membros
são estimulados a ouvir e responder de forma a garantir a participação
de
todos; ·
Falar
ao grupo e não direcionar a uma pessoa ou parte do grupo; ·
Falar
quando motivado, quando estiver realmente confiante de que sua
participação será útil ao grupo. A pessoa se vê compelida a falar; ·
Ir
ao vivo, expressando o que sente e imagina no momento, estando
atento aos pensamentos dos participantes e buscando ir além da
compreensão do
grupo; ·
Equilibrar
questionamento e defesa. Ambos são necessários para a
sustentação do diálogo e a busca de significado compartilhado. As
atitudes
e comportamentos identificados acima por Ellinor e Gerard representam
novas
posturas capazes de superar os conflitos, incompreensões e
fundamentalismos
ainda tão frequentes nas relações sociais. Constituem uma fonte
criadora de uma
verdadeira cultura de integração, aprendizagem, convivencialidade e
mudança. A
origem da palavra DIÁLOGO está nas raízes gregas ”dia”, que significa
”através
de”, e “logos”, que quer dizer “significado”. Ou seja, o vocábulo
diálogo
refere-se ao encontro das pessoas por meio dos significados que
compartilham
para compreenderem verdadeiramente umas às outras e estabelecerem um
padrão de
convivência alicerçado no respeito mútuo. Portanto, dialogamos quando
conseguimos nos abstrair um pouco de nossas verdades para estarmos
abertos à
verdade dos outros – ampliando nossa compreensão da realidade, e assim
construímos um novo pensamento capaz de atender às nossas necessidades
individuais e coletivas. Como dizem o psicólogo John Briggs e o físico
David
Peat, “na medida em que os indivíduos – cada qual com sua própria
criatividade
auto-organizada – se agregam, eles abrem mão de alguns graus de
liberdade, mas
descobrem outros. Surge assim uma nova inteligência coletiva, um
sistema aberto,
imprevisível em relação a qualquer coisa que alguém pudesse esperar
observando
os indivíduos agindo apenas isoladamente” (do livro “A Sabedoria do
Caos”). Já
a
palavra DISCUSSÃO, método de comunicação mais encontrado no dia-a-dia,
vem do
latim “discutere” que significa fragmentar, reduzir a pedaços ou
quebrar Diálogo Discussão/Debate Ver
o todo entre as partes Desmembrar
questões e problemas em partes. Ver
as ligações entre as partes. Ver
distinções entre as partes. Questionar
pressuposições. Justificar/Defender
pressuposições. Aprender
através de questionamento e revelação. Persuadir,
vender e dizer. Criar
significado compartilhado por muitos. Chegar
a um acordo sobre um significado. A
linha da conversação. Portanto,
enquanto o diálogo diz respeito ao ajuntamento ou descoberta de novos
significados, a discussão refere-se à defesa de argumentos ou
pressupostos
individuais (vence o mais forte), refere-se assim ao desmembramento do
todo em
partes o que só tem gerado e reforçado a relação de dominação e
preconceito nas
relações entre pessoas. Como afirma Humberto Mariotti, o diálogo é “um
método
de reflexão conjunta e observação compartilhada da experiência” que nos
permite
ampliar nossa limitada compreensão individual de mundo. Quando
as pessoas interagem umas com as outras numa conversação com a intenção
de
chegar a um novo entendimento, elas têm que aprender a ver além dos
seus
julgamentos que condicionam as suas atitudes e limitam a capacidade de
ouvir os
outros. Para praticar o verdadeiro diálogo as pessoas devem buscar
certo grau
de isenção em relação aos seus julgamentos, tornando-se um observador
neutro.
Peter Senge intuiu muito bem a importância desta neutralidade ao
perceber que
“a visão de cada pessoa é uma perspectiva única de uma realidade mais
ampla. Se
eu puder ver com os seus olhos e você com os meus, cada um de nós verá
algo que
talvez não tivéssemos visto sozinhos.” O
ser humano, conforme as circunstâncias do meio vivido e toda a sua
história
de vida, escolhe viver de uma forma e, assim, constrói um mundo próprio
e único
– a sua verdade –, lugar onde encontra sentido para o seu viver, seja
para o
bem ou o mal. Logo, é melhor pensar que estes mundos têm muitos pontos
positivos em comum e é por isso que a prática do diálogo se torna
imprescindível para podermos descobrir os bons potenciais existentes em
nossos
relacionamentos. Assim, o diálogo representa, acima de tudo, criar as
condições
sociais necessárias para a renovação e melhoria contínua do ser humano
e das
sociedades. É isso que recomendam grandes pensadores como David Bohm,
Paulo
Freire, Peter Senge, Krishnamurti, Martin Buber, dentre outros. Espero
ter contribuído para um bom diálogo com o leitor, e para finalizar
ofereço uma breve parábola que justifica muito bem a necessidade de
dialogarmos
cada vez mais: “Encontrei
hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam
zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se
haviam
zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões.
Ambos
tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via
um lado
das coisas e outro um outro lado diferente. Não: cada um via as coisas
exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério
idêntico ao
do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto,
tinha
razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.” Fernando
Pessoa * O autor é
graduado
Fonte: Ellinor e Gerard.
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