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O Universo que Dobra e Desdobra -

Uma Conversa com David Bohm

Renée Weber

Extraído de "O Paradigma Holográfico", Ken Wilber, Cultrix, 1995 (esgotado)



WEBER: Penso que a primeira questão que devemos explorar é esta: O que é o modelo holográfico do cérebro ou da consciência e de que maneira ele difere dos conceitos correntemente aceitos ou daquilo que sempre acreditamos ser a verdade sobre o assunto?

BOHM: Bem, o modelo holográfico da consciência baseia-se na noção de que as informações a partir das quais a consciência trabalha não se acham armazena­das em determinados lugares, mas sim por todo o cérebro, ou sobre gran­des áreas dele, e cada vez que as informações são usadas é feita uma seleção reu­nindo todas essas informações a partir de todo o cérebro, como ocorre com o ho­lograma propriamente dito.

WEBER: Como se faz essa reunião?

BOHM: Na verdade, você devia entrevistar o Pribram sobre esse assunto, mas você pode imaginar que o cérebro é uma rede de conexões de células e, digamos, de informações. No ano passado, tive conhecimento de uma teoria segundo a qual a memória pode ser armazenada em anéis de circuitos que se fecham incessantemente entre certas células, e que deixam no cérebro uma espécie de deformação plástica, de modo que quando se fornece novamente energia a esses anéis, é evocado um padrão semelhante ao que eles produzem. Isso não é muito diferente do princípio da gravação em fita.

WEBER: Segue o caminho da resistência mínima?

BOHM: Bem, não é exatamente assim, mas quando você vê alguma coisa que ativa um desses anéis, isso será gravado, mas quando você vê algo semelhante, isso pode ativar uma energia que provém dessa gravação.

WEBER: Recuperando-a?

BOHM: Sim. Esses anéis podem não ser apenas locais; pode haver muitos anéis semelhantes por todo o cérebro, um número incrível deles, todos interconectados, de modo que, por exemplo, se você está olhando para um determinado segmento de informação, tal como uma rocha, o enfoque mais simples, como o de uma objetiva, consistiria em dizer que a rocha está armazenada numa cé­lula do cérebro. E depois, que a segunda rocha está numa outra célula, a árvore numa terceira e assim por diante. Outra concepção seria a de que a rocha é ana­lisada segundo muitíssimas características, tais como linhas, curvas, bordas, cores e todas as diferentes informações que poderiam produzir algum tipo de defor­mação plástica em toda a extensão do cérebro. Por isso, para recuperar as informa­ções a respeito dessa rocha, deve haver, de alguma forma, uma coleta de infor­mações provenientes de todo o cérebro. Em outras palavras, se colocamos a ques­tão nesses termos, até mesmo a palavra “rocha” pode estar armazenada em toda a extensão do cérebro, e todos os vários atributos que a rocha possui não são necessariamente armazenados num só lugar mas em todos, e características co­mo aquelas poderiam recombinar-se de diferentes maneiras para diferentes tipos de objetos. Em conseqüência disso, você poderia dizer que para formar qualquer conceito ou qualquer imagem ou lembrança ou o que quer que seja, você pre­cisa colher informações que não estão em correspondência biunívoca com al­guma espécie de fichário, ou algo semelhante, mas que se acham, em vez disso, em seu armazenamento holográfico. De fato, o pessoal que faz pesquisas na área dos computadores e estuda o armazenamento holográfico de informações sabe que trabalha com um meio muito mais eficaz que o armazenamento digital dos nossos dias.

WEBER: Isso está relacionado com a noção de que qualquer parte de qual­quer célula pode reproduzir o todo?

BOHM: Bem, não é necessariamente apenas uma célula mas qualquer parte de uma célula que abriga informações a respeito do todo. Quanto mais células você juntar, mais detalhadas serão as informações. Veja, é uma das características do holograma o fato de que se você iluminar uma parte dele você obterá as informações a respeito da imagem toda mas será uma imagem menos deta­lhada e visível apenas a partir de um menor número de ângulos, de modo que quanto maior for a área do holograma que você tomar, tanto mais detalhadas e mais copiosas serão as informações. Mas o assunto, ou o objeto, das informações é sempre esse todo uno. As diferentes partes do holograma não estão em corres­pondência com as diferentes partes do objeto. Porém, cada uma delas está, de certa forma, estampando alguma coisa do todo.

WEBER: Em outras palavras, isso poderia entrar em conflito com, ou até mesmo enterrar, aquilo a que os filósofos costumavam dar o nome de teoria de correspondência da verdade: a imagem, a chapa fotográfica, o objeto.

BOHM: Bem, na verdade uma coisa não tem ligação com a outra. E de fato Pribram encarava isso de maneira interessante; ele estava pensando a respeito desse modelo holográfico e depois leu meus artigos e pensou sobre isso, e fez a si próprio esta pergunta: “Qual é o holograma do holograma?” E de acordo com a concepção que estamos propondo, o próprio mundo é construído ou estrutu­rado com base nos mesmos princípios gerais do holograma. Não sei o quanto da ordem implicada eu deveria esclarecer aqui.

WEBER: Quanto você desejar; estamos muito interessados nisso.

BOHM: Estou dizendo que o holograma é um exemplo da ordem impli­cada ou dobrada.

WEBER: Pode nos dar um modelo da ordem implicada?

BOHM: Tínhamos em Londres um dispositivo que consistia em dois cilin­dros de vidro concêntricos, entre os quais ficava um fluido muito viscoso, como a glicerina. Esses cilindros podiam ser girados muito lentamente, de modo que não houvesse difusão do fluido viscoso. Se você pingar uma gotícula de tinta insolúvel nesse fluido e girá-lo lentamente, ela se alongará até transformar-se num filamento invisível e quando você girar o fluido no sentido oposto, ela, repen­tinamente, tornar-se-á visível outra vez. Agora, você pode dizer que o filamento foi dobrado dentro do fluido assim como o ovo se acha dobrado, ou envolvido, dentro do bolo. Você não pode desdobrar o ovo fora do bolo mas pode desdobrar o filamento porque há essa mistura viscosa, e não há mistura difusiva; você pode desdobrar a gotícula de tinta para fora da glicerina girando esta lentamente no sentido contrário, de modo que não ocorra difusão. Imagine agora que você poderia dobrar outra gotícula de tinta e elas pareceriam ficar reduzidas quase à mesma coisa, mas há uma diferença entre as duas gotículas dobradas porque uma delas vai-se desdobrar na primeira e a outra na segunda. Essa distinção está presente na ordem dobrada; o que vemos aqui não é a ordem desdobrada, que nos é habitual, e que corresponde à nossa habitual descrição da realidade. Habitualmente, pensamos que cada ponto do espaço e do tempo é distinto e separado de qualquer outro ponto, e que todas as relações são relações entre pontos contíguos no espaço e no tempo, certo? Na ordem dobrada veremos, em primeiro lugar, que quando tomamos a gotícula e a dobramos, ela passa a estar na coisa toda e cada parte dessa coisa toda contribui para essa gotícula. Imaginemos agora a situação em que introduzimos a outra gotícula. As duas se acham em posições diferentes, mas quando são dobradas, de certo modo elas se misturam urna com a outra, está claro?

WEBER: Elas se misturam uma com a outra ou se distribuem através do todo?

BOHM: Elas se distribuem através do todo mas ficam entremeadas uma com a outra; elas se interpenetram, mas quando você as desdobra, elas se sepa­ram e formam duas gotículas. Desse modo, se você tem agora uma situação que a linguagem ordinária não descreve, essa situação é a de uma interpenetração no todo, e devemos fazer uma distinção entre aquele todo que irá produzir uma gotícula aqui e um todo que produzirá uma lá e ainda outro que produzirá duas gotículas, e assim por diante. Veja, a ordem habitual de descrição em física é a ordem cartesiana, na qual tomamos uma grade cartesiana e dizemos que todos os pontos são inteiramente externos uns aos outros e possuem apenas relações de contigüidade. Você pode, então, construir por exemplo uma curva contínua, mas se dobrarmos essa curva obteremos um todo onde tudo se interpenetra, e no entanto esse todo poderá desdobrar-se numa curva contínua. Outra curva contínua poderia ser igualmente dobrada. O resultado pareceria quase o mesmo, e no entanto as duas curvas seriam diferentes. Desse modo, haveria um conjunto de distinções que precisaríamos fazer e que são diferentes daquelas que fazemos na ordem cartesiana comum; a saber, que existem todas essas ordens dobradas, que são diferentes embora não o pareçam do ponto de vista grosseiro, habitual.

WEBER: Isto quer dizer que o modelo cartesiano é um modelo de entida­des atomísticas?

BOHM: Em última instância. Atomísticas ou de fluxo contínuo. O campo contínuo é ainda o modelo cartesiano, mas todas as conexões são contíguas; isto é, o campo conecta-se apenas com elementos de campo muito próximos a ele no espaço e no tempo; não apresenta conexão direta com elementos distantes. Agora, veremos num instante que isto não ocorre na ordem dobrada. Vou lhe dar outra imagem, outro modelo: dobramos uma gotícula girando a máquina um certo número de vezes, n vezes. Introduzimos então outra gotícula numa posição li­geiramente diferente, e dobramo-la igualmente n vezes; enquanto isso, a primei­ra é dobrada 2n vezes, correio? Temos agora uma sutil distinção entre uma go­tícula que foi dobrada n vezes e outra que foi dobrada 2n vezes. Elas parecem idênticas, mas se girarmos uma delas n vezes obteremos ela mesma; se a girarmos outras n vezes, obteremos a outra. Agora, vamos prosseguir a experiência com uma terceira gotícula, que também colocaremos numa posição ligeiramente di­ferente da segunda, de modo que ela avance n vezes, a segunda 2n vezes e a ori­ginal 3n vezes. Vamos repetindo a experiência até que tenhamos introduzido uma porção de gotículas. Agora, giramos a máquina no sentido oposto e uma gota emerge e manifesta-se à nossa visão, e depois é a seguinte que o faz, e de­pois a seguinte, de modo que se isso é feito rapidamente, mais depressa que o tempo de resolução do olho humano, veremos uma partícula que cruza o cam­po de maneira aparentemente contínua.

Mas essa descrição da partícula é absolutamente distinta da descrição car­tesiana. Nesta, a partícula existe e é sua essência estar num lugar, depois em ou­tro, e depois num terceiro. Mas na presente descrição, dizemos que é o todo que está se manifestando. Uma vez que a partícula é sempre o todo mas suas partes somente se manifestam, isto é, manifestam-se aos nossos olhos, porque para eles conseguirem ver uma gotícula de tinta, a intensidade, a densidade dessa gotícula deve estar além de um certo ponto. Desse modo, apenas aquelas que foram coletadas e reunidas num estado muito denso ficam visíveis naquele momento. E quan­do elas retornam para dentro do fluido, outro conjunto vem para fora, e então você terá a impressão de ver uma partícula cruzando a superfície. Mas, veja, essa partícula é apenas uma abstração que se manifesta à nossa visão; a realidade é a ordem dobrada, que é sempre inteira, total, e que é essencialmente independen­te do tempo. Não está relacionada com o tempo porque dois elementos que es­tejam intimamente relacionados entre si são aqueles que irão se desdobrar um após o outro, mas originalmente eles se acham entremeados um com o outro. E assim, a relação básica nada tem a ver com espaço e tempo.

WEBER: Para torná-las manifestas a nós, é como se tivéssemos de trazê-las à tona sob o tipo de condição que nós, seres humanos, estruturados como somos, podemos apreender.

BOHM: Certo. Elas se manifestam sob uma forma que se pode abrir à nossa percepção. Normalmente, a ordem dobrada, em seu todo, não pode manifestar-se a nós, mas algum aspecto dela se manifesta. Então, quando conduzimos essa or­dem dobrada até esse aspecto manifesto, obtemos uma experiência perceptiva. Mas isso não significa que a totalidade da ordem é apenas aquilo que é manifesto. Esta seria a concepção cartesiana: que a totalidade da ordem se acha, pelo menos potencialmente, manifesta, embora possamos não saber como torná-la manifesta por nossa própria iniciativa. Poderíamos precisar de microscópios, telescópios e vários outros instrumentos.

WEBER: É ares extensa. Não é isso o que a sustenta; é o postulado de Des­cartes segundo o qual (exceto para o “eu” e para Deus) apenas o que é material­mente visível e extensível é, no final das contas, real.

BOHM: Certo. Pelo menos ela deveria ser potencialmente visível aos nossos instrumentos mais refinados, caso não seja diretamente visível.

WEBER: Através de substitutos.

BOHM: Sim. Mas agora estamos dizendo que na ordem implicada é dife­rente. Direi que essas gotículas de tinta são apenas um modelo, mas o holograma é infinitamente mais refinado; não há na verdade gotículas de tinta. E agora po­deríamos dizer que aquilo que está a ponto de se tornar visível é somente uma parte muito pequena da ordem dobrada, e por isso introduzimos a distinção en­tre o que é manifesto e o que não é. Pode dobrar-se e ficar não manifesta, ou pode se desdobrar na ordem manifesta e depois redobrar-se novamente. E di­zemos que o movimento fundamental é o dobrar e o desdobrar. Enquanto que o movimento fundamental de Descartes é o cruzar o espaço no tempo, uma en­tidade localizada que se move de um lugar para outro.

WEBER: Através do espaço, diria ele.

BOHM: Através do espaço, é claro. Ou então um campo transmitindo uma força de um lugar para outro através do espaço. Repare que o modelo de campo é exatamente tão cartesiano quanto o modelo de partícula; na verdade, Descar­tes preferia o modelo de campo. Ele tinha para o mundo um modelo de vórtice hidrodinâmico, não um modelo de partícula.

WEBER; Isso se aplicaria aos campos usuais? Ao campo de Einstein?

BOHM: Exatamente; o campo de Einstein é ainda cartesiano.

WEBER: Por que é assim?

BOHM: Porque ele insiste na conexão local, na conexão contígua.

WEBER: Não há também a assim chamada ação a distância?

BOHM: Não, isso é inteiramente estranho à visão de Einstein.

WEBER: É? E estaria de acordo com a de Newton?

BOHM: Newton também não gostava dela. Ele dizia que tinha de aceitá-la, mas estava tentando livrar-se dela. Newton, Einstein e Descartes concordavam nesse ponto, embora diferissem em vários outros pontos.

WEBER: Agora, exatamente em quê a ordem implicada difere desses três modelos?

BOHM: Na ordem implicada, não apenas lidamos sempre com o todo (co­mo também o faz a teoria dos campos), mas também dizemos que as conexões do todo nada têm a ver com a posição no espaço e no tempo, mas têm a ver com uma qualidade inteiramente diversa, a saber, o dobramento.

WEBER: Em outras palavras, o que é significativo aqui é o fato de que não se está cruzando ou atravessando certos lugares?

BOHM: Nesses modelos anteriores, uma partícula cruza certos lugares ou então é um campo de força, ou energia, que os cruza e por isso, do ponto de vista da ordem implicada, não temos uma distinção fundamental entre Einstein e Newton, como você vê. Para falar a verdade, dizemos que são diferentes, mas ambos diferem igualmente da ordem implicada.

WEBER: Então, em certo sentido, a questão-chave, aqui, não seria o tempo?

BOHM: Bem, estamos caminhando no sentido de abordar o tempo posterior­mente. Temos de introduzir o tempo na ordem implicada, mas ainda não chegamos lá. Temos, assim, essa noção, a noção de parâmetro de implicação, de grau de implicação. Observe que a gotícula de tinta que girou n vezes difere daquela que girou 2n vezes. Essa diferença não tem a mínima importância na concepção cartesiana. No entanto, aqui ela é a coisa fundamental, pois dizemos: aquelas coisas que possuem quase o mesmo grau de implicação acham-se conectadas, por mais distantes que estejam uma da outra no espaço e no tempo.

WEBER: Poderia se estender um pouco mais nessa questão?

BOHM: Bem, então vamos voltar ao nosso modelo da gota de tinta, e dire­mos que a relação fundamental nesse modelo da gota de tinta é o grau de impli­cação. Digamos que sejam necessárias n voltas para se desdobrar uma gotícula até que ela se torne visível à nossa percepção, e n+1 voltas para se desdobrar a gotícula seguinte. Suponhamos agora que haja uma outra gotícula que necessita de, digamos, um milhão de voltas a mais para se desdobrar; dizemos então que essa gotícula está muito distante, muito desconectada da primeira, de modo que as duas gotículas que estão conectadas são aquelas que estão próximas uma da ou­tra, em termos de dobramento. É essa a idéia. Portanto, de um modo geral, di­zemos que todas as conexões estão no todo, nada tendo a ver com localização, mas sim com essa qualidade de dobramento que sempre pertence ao todo.

WEBER: Mas será que isso não traz de volta, furtiva e sutilmente, a seqüência temporal?

BOHM: Não, veremos que isso não é fundamental. Por ora, estamos consi­derando a seqüência no tempo mas a existência efetiva dessa seqüência não está no tempo; você pode ver de imediato que a ordem implicada se acha presente aí de maneira simultânea, nada tendo a ver com o tempo. Seqüência não é, ne­cessariamente, tempo. Veja, a forma mais primitiva de ordem é a seqüência, po­rém não estamos introduzindo uma seqüência em pontos do espaço ou em pon­tos do tempo.

WEBER: Não, mas permita-me ser, por um momento, antropomórfica em minha pergunta. Com base no que você disse, capta-se a seguinte imagem: é co­mo se você dissesse que todas elas estão lá e estão espalhadas por toda a parte na ordem implicada mas as gotículas que, por assim dizer, estão mais para trás na fila de espera, que ainda não estão prontas para serem desdobradas, isto é, que ainda se encontram dobradas, parecem estar mais afastadas, para trás, no tempo e no espaço.

BOHM: Bem, elas não estão mais afastadas no passado, elas estão todas presentes e juntas.

WEBER: Mas não estão prontas para aparecer.

BOHM: Sim, mas veja que há outra diferença. Elas não estão mais afasta­das mas devemos introduzir diferenças ou distinções, bem como ordens e relações, para termos algo sobre o que falar, e a questão-chave é esta: O que elas estão se tornando? Estariam se tomando conexões contíguas no espaço e no tempo ou alguma outra coisa? Digo agora que elas são alguma outra coisa. Se você não tem nenhuma ordem, em absoluto, não teremos nada sobre o que falar, nada para olhar nem coisa alguma. Esse é um exemplo muito primitivo de ordem implica­da mas, posteriormente, teremos exemplos muito mais complexos, onde haverá muitas ordens paralelas, e não necessariamente apenas uma ordem seqüencial, ou muitas ordens cruzadas ou ordens que se interpenetram e assim por diante. Portanto, antes de mais nada, a noção de seqüência simples é somente o começo. Agora, para a visão que estou propondo, voltemos ao holograma, que funciona de maneira semelhante.

Queremos dizer que o holograma é apenas uma imagem ou uma imagem fixada do estado do campo eletromagnético, ou qualquer que seja o nome que você queira dar a ele nesse espaço onde você põe a fotografia, a chapa foto­gráfica, e esse é um estado de movimento. Eu o chamo de holomovimento. É um exemplo disso. Feixes de elétrons poderiam fazer a mesma coisa e ondas sonoras  poderiam produzir hologramas, qualquer forma de movimento pode­ria constituir um holograma, movimentos conhecidos ou desconhecidos e po­demos  considerar uma totalidade  indefinida de movimentos, chamada holo­movimento, e dizer: o holomovimento é o solo, o fundamento daquilo que é manifesto.

WEBER: O holomovimento é o fundamento...

BOHM: O fundamento total...

WEBER: Daquilo que é manifesto.

BOHM: Sim. E o que é manifesto está, por assim dizer, flutuando no holo­movimento, e é abstraído dele. O movimento básico do holomovimento é o do­brar e o desdobrar. Digo, agora, que toda existência é, basicamente, holomovi­mento que se manifesta sob forma relativamente estável. Lembro a você que a palavra “manifesto” baseia-se em mani, que significa segurar com a mão, ou al­guma coisa que pode ser retida estavelmente na mão, algo sólido, tangível e assim por diante. Também algo visivelmente estável.

WEBER: O fluxo aprisionado provisoriamente.

BOHM; Bem, pelo menos atingindo a estabilidade provisoriamente, entran­do num estado de relativo enclausuramento, como o redemoinho que se fecha sobre si mesmo, embora esteja sempre em movimento.

WEBER: Penso que ontem você disse tratar-se de formas mais densas de matéria, em vez de formas mais sutis e menos estáveis.

BOHM: Sim, são formas de matéria mais estáveis, coloquemos a coisa nesses termos. Veja, até mesmo a nuvem mantém uma forma estável, e portanto pode-se considerá-la uma manifestação do movimento do vento. Pode-se agora, de maneira semelhante, considerar que a matéria forma nuvens dentro do holomo­vimento, e que elas manifestam o holomovimento de maneira perceptível nos nossos sentidos e ao nosso pensamento habituais.

WEBER: Você afirmou que “todas as entidades são formas do holomo­vimento”. Isso, obviamente, incluiria o homem com todas as suas faculdades.

BOHM: Sim, todas as células, todos os átomos. E eu acrescentaria, para completar o quadro, que isso começa a proporcionar uma boa avaliação do que significa a mecânica (quântica): esse desdobramento é uma idéia direta da­quilo que se entende por matemática da (mecânica quântica). O que é chama­do transformação unitária ou descrição matemática básica do movimento em mecânica quântica é exatamente aquilo sobre o que estamos falando. Em for­ma matemática, é simplesmente a descrição matemática do holomovimento. Mas atualmente não há, na mecânica quântica, noção física do que significa o movimento, e por isso usamos a matemática apenas para produzir resultados, para calcular resultados, dizendo que eles são destituídos de qualquer outro significado.

WEBER: A comunidade dos físicos aceitaria essa interpretação?

BOHM: Qual, a holográfica?

WEBER: Sua maneira de caracterizar a situação atual da física.

BOHM: Oh, penso que tem de aceitar, sim. Os físicos usam a idéia de campos e partículas, e assim por diante, mas quando você os pressiona eles devem con­cordar que não têm nenhuma imagem do que são essas coisas, e não reconhecem outro conteúdo além dos resultados daquilo que podem calcular com suas equações.

WEBER: Portanto, é algo pragmático.

BOHM: Bem, pelo menos é expresso em linguagem pragmática, embora não seja consistentemente pragmática porque se permite que todo tipo de idéias não-pragmáticas sejam introduzidas na matemática. É um tanto confuso, eu diria; é uma mistura de alguns aspectos pragmáticos e alguns aspectos não-pragmáticos altamente especulativos, mas que participam de uma maneira muito despropor­cionada. Costuma-se dizer que a especulação é apenas tolerada nas equações, mas nas idéias físicas ela se mostra bastante estável; essencialmente, as idéias físicas são apenas imagens das equações, isto é, não têm outro conteúdo que o de se­rem veículos adequados para se estabelecer imaginativamente o que as equações calculam, de modo que você pode apreendê-lo sob alguma forma imaginativa, embora confusa.

BOHM: Sua única âncora está nos resultados experimentais. Eles dizem que esses números obtidos por intermédio dos cálculos concordam com os nú­meros que resultam dos experimentos.

WEBER: E como você conceberia isso de maneira diferente?

BOHM: Bem, estamos tentando dar uma descrição da realidade, seja ela erra­da ou correta, e propondo uma visão da realidade, uma descrição da realidade que, fielmente, aproximar-se-á dessa realidade, ou se ajustará a ela, e podemos agora considerar essa matemática como um meio de calcular o que acontece den­tro dessa realidade.

WEBER: É uma reivindicação muito diferente da utilitária, que prevalece hoje.

BOHM: Sim. Na velha visão newtoniana você supunha que a matéria era realmente constituída de partículas ou qualquer outra coisa, e você dizia que as equações lhe permitiam calcular o que essas coisas iriam fazer. Mas naquela época você não dizia que não existe nada exceto equações e instrumentos de medida e que as equações apenas lhe permitem calcular os números que surgirão em seus instrumentos de medida. Hoje, ao contrário, você introduz várias imagens que lhe permitem somar rapidamente os efeitos das equações, mas insiste no fato de que essas imagem não podem, em qualquer sentido, ser consideradas como as descrições da realidade.

WEBER: Talvez seja por isso que o impasse filosófico a respeito da física quântica parece ser o de que o homem não pode, em absoluto, conhecer a rea­lidade. Concluo que você não aceita isso.

BOHM: É uma noção um tanto absurda, pois a realidade é, por definição, tudo o que o homem pode conhecer. A realidade é baseada na palavra res, que significa “coisa”, e a coisa é aquilo que é conhecido. Veja, a palavra res baseia-se na palavra rere, que significa pensar, e a coisa é, essencialmente, aquilo sobre o qual você pode pensar. Portanto, a realidade é apenas aquilo que o homem pode conhecer. Agora, o que eles [os físicos contemporâneos] estão, em essência, di­zendo (embora isso não faça sentido) é que a realidade do homem está confi­nada aos resultados de algumas operações de instrumentos científicos, mas eles tampouco argumentariam seriamente a respeito disso. É uma questão confusa. Veja, aos domingos, quando estão filosofando, dizem que a realidade do homem confina-se ao resultado de instrumentos científicos; e nos dias de semana, afir­mam que ela é realmente constituída de pequenas partículas sólidas e rígidas, que eles sabem que não pode ser assim porque elas possuem todas as proprie­dades das ondas e muitas outras propriedades que as partículas jamais poderiam ter. Penso, portanto, que o resultado geral disso é a confusão e você judiciosa­mente salta de uma imagem para outra a fim de capacitá-la a obter rapidamen­te resultados matemáticos que você pode comparar com os experimentos, e é realmente esse, de qualquer maneira, o ponto principal da operação; tudo o mais ou é útil para tal propósito ou é fachada, decoração de vitrine, como eles costumam dizer, ou cobertura de bolo, ou o que quer que seja, mas eles argumenta­riam que não é realmente o ponto principal.

WEBER: Agora, a ordem implicada muda isso completamente, mas de que maneira?

BOHM: Porque ela diz que a realidade é a ordem implicada e que as equa­ções estão descrevendo essa ordem.

WEBER: Ao passo que do outro ponto de vista, isto é, daquele da maioria dos físicos contemporâneos, as equações são, por assim dizer, tanto o meio co­mo o fim?

BOHM: Sim, as equações são a verdade.

WEBER: A pergunta é: A verdade sobre o quê?

BOHM: Em primeiro lugar, sobre os resultados de instrumentos científi­cos, mas então as pessoas não podem dizer que isso é tudo o que existe. Então elas dizem que é a verdade a respeito dessas pequenas partículas rígidas que as equações negam que possam existir, e nós partimos para a confusão, e depois finalmente dizemos: vamos desistir de todas essas questões porque realmente não podemos respondê-las e não há lugar para elas. A única coisa que tem um lugar é a obtenção de resultados com os quais se possa trabalhar. De certo modo, as pessoas escorregam de uma coisa para outra, e você não pode obrigá-las a se deter precisamente em nenhuma delas porque sua confusão característica con­siste em saltar de uma idéia para outra. Toda vez que a pressão sobre uma idéia torna-se muito grande, você salta para outra e, conseqüentemente, continua sal­tando através de idéias entre as quais não há coerência. Penso que você poderia dizer que, atualmente, a situação na física é inteiramente confusa.

WEBER: Você disse ontem que a mecânica quântica, quando mapeada parcialmente na ordem implicada, pode lidar com o outro aspecto da partícula como algo que está na ordem implicada embora não esteja na ordem manifesta. Poderia abordar isso?

BOHM: Sim. Se você considerar esse exemplo das gotículas de tinta con­vergindo para formar uma partícula e divergindo novamente, as partículas es­tão efetivamente espalhadas por todo o espaço. Se você colocasse obstáculos no caminho da partícula, ela convergiria de maneira diferente, como uma onda. Passaria a exibir uma propriedade ondulatória e assim por diante. Portanto, veja, todas as propriedades da partícula estão na ordem global, na ordem do todo. Elas não são uma partícula, aquilo a que damos o nome de partícula isolada. Desse modo, começamos a ver uma realidade, um tipo de realidade que torna­ria compreensível o comportamento global dessa coisa. Então, poderíamos di­zer que é uma coisa, res, e uma coisa que conhecemos por intermédio do pen­samento, rere. A relação entre o pensamento e a coisa é esta: a ação, sendo formada a partir do pensamento, encontrará, de maneira consistente, essa coisa, e portanto o papel do experimento é testar isso.

WEBER: Poderia esclarecer um pouco mais a relação manifesto/não-manifesto?

BOHM: Bem, talvez devamos finalizar esse assunto do holomovimento. Se você percorrer a matemática da atual teoria quântica, verá que ela trata a par­tícula como um estado quantizado do campo, como é chamado, isto é, como um campo espalhado pelo espaço mas, de um modo um tanto misterioso, dotado de um quantum de energia proporcional à sua freqüência. E se você considerar, por exemplo, o campo eletromagnético no espaço vazio, cada onda possui aquilo que é chamado de ponto zero de energia, abaixo do qual ela não pode existir, mesmo quando não houver nenhuma energia disponível. Se você fizesse a soma de todas as ondas em qualquer região do espaço vazio, descobriria que elas pos­suem uma quantidade infinita de energia porque é possível um número infini­to de ondas. Entretanto, você pode ter razão para supor que a energia pode não ser infinita, que talvez você não possa continuar somando ondas que são cada vez mais curtas, cada uma delas contribuindo para a energia. Pode haver algu­ma onda que seja a menor possível, e então o número total de ondas seria finito e a energia também seria finita. Agora, você perguntará qual seria o mais curto dos comprimentos e parece haver razão para suspeitar que a teoria gravitacional pode nos fornecer algum comprimento que seja o mais curto, porque, de acordo com a relatividade geral, o campo gravitacional também determina aquilo que se entende por “comprimento” e por métrica. Se você diz que o campo gravi­tacional constitui-se de ondas quantizadas dessa maneira, você descobre que deve haver um certo comprimento abaixo do qual o campo gravitacional torna-se in­definível devido a esse movimento no ponto zero e você não seria capaz de de­finir comprimento. Portanto, você poderia dizer que a propriedade da medição, o comprimento, se desvanece a uma distância muito curta e você descobriria que o lugar onde ele desaparece mediria aproximadamente 10-33 cm. É uma distância muito curta porque as mais curtas distâncias que os físicos já sondaram medi­riam 10-16 cm mais ou menos, e o caminho que resta para se percorrer é ainda muito longo. Se você então computar a quantidade de energia que estaria no espaço com aquele comprimento de onda mais curto possível, verificará que a energia num centímetro cúbico é imensamente superior à energia total de toda matéria conhecida no universo.

WEBER: Num centímetro cúbico de espaço?

BOHM: Sim. E, portanto, como se pode compreender isso?

WEBER: Como você entende isso?

BOHM: Você entende isso dizendo: a teoria atual afirma que o vácuo con­tém toda essa energia que é então ignorada porque não pode ser medida por um instrumento. A filosofia é que apenas aquilo que pode ser medido por um ins­trumento deve ser considerado real, pois a única evidência acerca da realidade da física é o resultado de instrumentos, com a exceção de que também se diz que há partículas as quais, em absoluto, não podem ser vistas por meio de ins­trumentos. O que você pode dizer é que a atual situação da física teórica suben­tende que o espaço vazio possui toda essa energia e que a matéria corresponde a um ligeiro aumento da energia e, portanto, que a matéria assemelha-se a uma pe­quena ondulação nesse tremendo oceano de energia, possuindo uma certa estabili­dade relativa, e sendo manifesta. Agora, minha sugestão é que essa ordem implicada supõe uma realidade que se prolonga imensamente para além do que chamamos ma­téria. A própria matéria é apenas uma ondulação que emerge nesse pano de fundo.

WEBER: Nesse oceano de energia, você quer dizer.

BOHM: Nesse oceano de energia, e ele, fundamentalmente, não está em absoluto no tempo e no espaço. Ainda não discutimos o tempo, mas vamos dis­cutir o espaço. Ele está originalmente na ordem implicada.

WEBER: O que significa dizer não-manifesta.

BOHM: Certo. Mas ele pode se manifestar nesse pequeno pedacinho de matéria.

WEBER: A ondulação.

BOHM: A ondulação, como você vê.

WEBER: Mas a fonte ou matriz geradora, como você dizia, está na ordem implicada e é ela esse oceano de energia, não-manifesto ou “não-interceptado”, isto é, do qual não foi “puxado nenhum fio” (untapped).

BOHM: Certo. E, de fato, além desse oceano pode haver um oceano ain­da maior porque, afinal de contas, nosso conhecimento simplesmente se desva­nece nesse ponto. Isso não significa que, para além desse ponto, não exista nada.

WEBER: Algo não-caracterizável ou inominável?

BOHM: Talvez você pudesse, eventualmente, descobrir alguma nova fonte de energia, mas poderia suspeitar que ela, por sua vez, estaria flutuando numa fonte ainda maior, e assim por diante. Conclui-se daí que a fonte última é imen­surável e não pode ser captada no âmbito de nosso conhecimento. Essa é a su­gestão básica. É realmente isso o que decorre da física contemporânea e essa im­plicação tem sido evitada dizendo-se que, na maioria das vezes, olhamos para as equações e apenas planejamos o que nossos instrumentos farão e como os ins­trumentos darão resultados de acordo com essas equações.

WEBER: Essa concepção é, naturalmente, muito bonita, e de fato empol­gante, mas se um físico o pressionasse a respeito disso, encontraria algum tipo de base na física que permitisse postular tal visão?

BOHM: Bem, devo pensar que é isso o que a física leva expressamente a concluir. Veja, você tem de fazer a pergunta: Como os físicos conseguem evitar defrontar-se com essa base? E a resposta é que eles a evitam graças a essa filo­sofia por meio da qual dizem que qualquer coisa que não apareça nos instrumen­tos não possui interesse para os físicos. Desse modo, eles decidem eliminar essa infinidade e dizem que ela não está lá.

WEBER: Mas nos cálculos e nos dados você diz que ela também está im­plicada ou que está lá?

BOHM: Está implicada ou está lá, mas então, quando você descobre as implicações desses dados através do que nossos instrumentos mostrariam, então ela não está lá porque é eliminada; veja, os instrumentos não respondem diretamente a esse background. Isso porque estão flutuando nele. É como um peixe que não está consciente do oceano.

WEBER; Compreendo. Mas quanto à teoria, você está dizendo que a ex­tensão da parte teórica da física garante esse tipo de inferência?

BOHM; Não apenas garante, como também é quase inevitável inferir isso. É realmente muito engenhoso que as pessoas conseguissem evitar levá-lo em con­sideração. Quero dizer com isso que elas sentem uma tremenda pressão para nunca levar em conta tais idéias, quando, na verdade, elas seriam as coisas mais óbvias para se considerar, não fosse por essa filosofia segundo a qual jamais devemos levar em consideração essas coisas,

WEBER: Em outras palavras, uma suposição tácita de que apenas nos é dado reconhecer aquilo que é mensurável por nossos instrumentos?

BOHM: Sim, essa é nossa realidade. O que é mensurável por nossos instru­mentos é considerado como sendo nossa realidade e as coisas a respeito das quais fala a nossa teoria, e portanto a própria teoria, não deveria realmente falar a res­peito de coisas que não são mensuráveis por nossos instrumentos. Penso que isso é admitido implicitamente, uma espécie de positivismo. Ao mesmo tempo, isso tem se mostrado consistente, porque as pessoas também querem dizer que nossa teoria é considerada uma realidade bem sólida, tal como o é a partícula, e elas gostam de imaginar que nossos instrumentos estão medindo partículas porque elas vêem seus rastros. Mas rastros não são prova de partículas mais do que a pegada de um animal é uma prova de que existe um animal. Alguém poderia ter colocado as pegadas lá.

WEBER: Com essa metáfora não poderiam acusá-lo de violar a Navalha de Occam e o princípio da parcimônia?

BOHM: Sim, mas esta é uma outra idéia, uma outra coisa, e é por isso que eu a chamo de “filosofia”. Veja. Eu digo que a Navalha de Occam é uma idéia filosófica. Quero dizer, não se deduz dos instrumentos que se deve interpretá-las por meio da Navalha de Occam; isso significa apenas que as pessoas, tendo sido historicamente condicionadas de um certo modo, acreditam que a Navalha de Occam tem prioridade sobre qualquer outra coisa.

WEBER: Porém, mesmo medida por meio desse critério, a ordem implica­da não é de fato mais simples e mais elegante?

BOHM: É mais simples. Basicamente, veja, não é tanto a Navalha de Occam mas sim a crença de que você deve discutir apenas os seus instrumentos. Do ponto de vista de uma idéia, isso é muito mais simples. Na verdade, você deve se en­volver numa ginástica lógica a fim de acomodar a presente concepção. A reação típica de um estudante que estuda mecânica quântica é que, de início, ele não a entenderá e dentro de um ou dois anos dirá que não há nada para entender porque ela nada mais é que um sistema de computação. Ao mesmo tempo, pas­sam a dizer, não, não se trata exatamente disso, estamos discutindo é a realidade. Afinal de contas, os físicos não teriam motivo para realizar o trabalho que fa­zem se não acreditassem que essas partículas são realmente os tijolos, os blocos de construção do universo. Portanto, veja só, você tem de se empenhar e adqui­rir habilidade em ginástica mental para sustentar esse mito. Isso não é realmen­te algo tão fácil. Vários anos são necessários e muita perícia para treinar as pes­soas a fazê-lo [isto é, para evitar as implicações filosóficas abordadas acima].

Digo agora que, a partir do ponto de vista de uma idéia, a ordem implicada é muito mais simples, mas se você diz que uma coisa que não é registrável por nossos instrumentos será excluída pela Navalha de Occam, então você, natural­mente, fará isso. Nem mesmo sei se Occam entendia sua navalha nesse sentido. Quero dizer, ele não possuía quaisquer instrumentos. Ele poderia estar se refe­rindo apenas à simplicidade na construção das idéias, por tudo o que sei, e isso seria uma visão inteiramente diversa.

WEBER: Mas tomemos o critério da simplicidade. Uma citação de John Wheeler me vem à mente. Ele disse: “Somente compreenderemos quão estranho é o universo quando reconhecermos quão simples ele é.” Qual é sua reação fren­te a isso?

BOHM: Ele estaria se referindo à simplicidade na idéia. Você sabe, sim­plicidade significa, corno diríamos, “uniplicidade” [onefoldness], ela provém de algum germe simples mas poderia desdobrar-se até abranger a complexidade do universo.

WEBER: A idéia de uma fonte ou domínio não-manifestado? (Não sei se a palavra domínio é excessivamente substancial.)

BOHM: Bem, é uma realidade não-manifesta. Suficientemente simples. Quero dizer, as pessoas possuíram essa realidade durante anos, você sabe; o éter foi uma forma dela. Parecia muito natural para as pessoas, num certo período, postularem que esse éter não se achava normalmente manifesto e pretenderem que as coisas que vemos fossem manifestações dele. Agora, em certo grau, tornou-se muito complicado e muito difícil para as pessoas acomodarem-se aos fatos da física, e então veio a filosofia positivista afirmando que se ele não se manifesta diretamente, devemos ignorá-lo. Depois disso, tornou-se uma espécie de costume ou moda dizer que nunca devemos levar em consideração tais idéias, enquanto que antes a moda era aceitar que tais idéias eram muito naturais; de fato, as pes­soas preferem essas idéias. Portanto, não penso que tudo isso tenha qualquer grande significação [isto é, o consenso da comunidade científica em qualquer dado momento na história].

WEBER: Ora, você disse ontem que, de fato, sua teoria explicaria melhor a mecânica quântica e, portanto, pelo critério do poder explanatório, há algo a dizer sobre isso, mesmo sob o ponto de vista da física.

BOHM: Sim. Darei uma explicação melhor e, por um lado, os físicos pode­rão apreciar isso. Por outro lado, eles podem estar a tal ponto influenciados por essa filosofia operacionalista, positivista e empirista que afirmam que a explica­ção não é o assunto da física, mas sim a previsão e o controle. E eles dizem que se ela não lhes permite prever e controlar alguma coisa, então ela não passa de uma cobertura de bolo. É esse o tipo de linguagem que, de qualquer forma, te­riam usado há trinta anos.

WEBER: Por falar em previsão e controle, o que você diria a respeito da opinião de um físico, colega meu em Rutgers, que alega que Bohm, na verdade, está sutilmente apelando para o tipo cartesiano de previsão e controle, por não aceitar os métodos estatísticos da mecânica quântica, que também está insidio­samente reintroduzindo o controle completo e, por conseguinte, o mecanismo, o mecanicismo?

BOHM: Não sei porque ele diz isso. Talvez não tenha lido aquilo que es­crevi com tanto cuidado. A primeira questão é que eu não afirmo que a estatís­tica não existe. Nessa ordem implicada há espaço de sobra para ela. Você tam­bém pode usar distribuições estatísticas como determinadas leis e, de fato, eu propus distribuições estatísticas. Não é, em absoluto, à estatística que eu faço objeções, mas sim à afirmação de que a estatística da mecânica quântica nada mais é que um algoritmo para articular a maneira como nossos instrumentos irão operar, e não uma estatística para aquilo que na realidade está lá. A segunda ques­tão é, e quanto a isso eu penso que ele está totalmente errado, o ponto de vista do físico convencional, que diz: a menos que eu não possa controlar e predizer, não estou interessado.

WEBER: A pergunta dele é: Você rejeita esse método porque ele não pro­porciona controle suficiente!

BOHM: Não, isso nada tem a ver com controle. Eu o rejeito porque ele é confuso. Afirmo que de fato o físico convencional só está interessado em pre­visão e controle. A estatística também é um meio de previsão e controle, para predizer e controlar grandes números na média. Se as fórmulas da mecânica quântica não permitem a um físico predizer quais serão os resultados médios forne­cidos por seus instrumentos, ele dirá: não há lugar para isso. Ele desiste. O físico convencional não se preocupa com mais nada a não ser com o que é previsível e controlável por quaisquer meios que sejam, métodos determinísticos, estatísti­cos ou, como disse ontem, praticando ioga ou ficando de ponta-cabeça, se isso ajudasse.

WEBER: O que equivale a dizer que ele, basicamente, não está interessa­do na verdade do assunto?

BOHM: Bem, não está interessado no que seja realidade. Ele está basica­mente interessado naquilo que pode predizer e controlar, e é um tanto surpreen­dente que o seu colega diga que outros físicos não estão, e que sou eu que estou preocupado com isso.

WEBER: Ele acrescentou (e esse ponto explicitaria a diferença entre sua visão e algumas outras): O que há de errado em conceber o universo como uma máquina? Por que Bohm não aceita isso?

BOHM: Penso que é algo confuso. Não estou objetando a concepção do universo como uma máquina ou o que quer que seja. Estou dizendo que a con­cepção particular que eles estão propondo é completamente confusa.

WEBER: Como assim?

BOHM: A mecânica quântica, atualmente, pelos meios a que já nos referimos e indo um pouco mais além, podemos dizer que os físicos quânticos, por um lado, afirmam que a realidade existe, que as partículas são efetivamente reais, e têm uma intensa convicção a respeito dessa realidade, que está por trás de seu motivo para realizar seu trabalho. Por outro lado, eles dizem que essas partículas não têm qualquer realidade que seja, que a única realidade reside em nossos ins­trumentos, e que não há meio de descrever essa realidade. Eles podem ter alguma fé em que, de algum modo, há uma realidade lá, mas é confuso dizer isso.

WEBER: Seria justo afirmar que, essencialmente, seu trabalho criativo nessas novas direções é motivado pela busca original da física, a procura da realidade, e não apenas da estrita pré visibilidade?

BOHM: E também a procura da clareza. Veja, estou dizendo que não somente queremos considerar o que é a realidade mas desejamos entendê-la claramente e os físicos dizem que a clareza não tem importância, que só os resultados inte­ressam. Quaisquer modos de obter resultados que são previsíveis e controláveis farão isso.

WEBER: Você atualmente fala muito em clareza, como também falava no passado: portanto, não é necessário a essa altura levar em consideração a cons­ciência e o conhecedor, aquele que é ou que não é claro?

BOHM: Sim, poderíamos chegar a isso. O problema é que a consciência é confusa. Confusão é falta de clareza. E se você diz que uma pessoa não é clara, isso significa que ela é confusa, embora seja mais cortês dizer que ela não é clara. E confusão significa “fundir junto”. Coisas que são diferentes são vistas como uma só e coisas que são uma só são consideradas divididas em muitas. A confusão, portanto, leva claramente ao caos.

WEBER: Com relação à ordem implicada e aos domínios manifesto/não-manifesto, quais seriam as implicações dessas idéias sobre consciência na maneira como pensamos e, gostaria de perguntar, na maneira como agimos?

BOHM: Penso que voltaríamos ao ponto que estávamos discutindo a respeito de Pribram, o modelo de holograma do cérebro. Você pode ver agora que esta­mos dizendo que o cérebro pode funcionar sobre algo que poderia ser essa or­dem implicada e se manifestar na consciência por meio da memória. Mas há uma ordem além da qual ele não é manifesto. Isso envolve tanto o espaço quanto o tempo. Veja, o próprio tempo é uma ordem de manifestação. Estamos dizendo que é possível ter uma ordem implicada com relação ao tempo bem como em relação ao espaço, e que a totalidade do tempo pode estar dobrada em qualquer dado período de tempo. Ele é encerrado na ordem implicada quando você acaba de passar por ele, de modo que o holomovimento é a realidade e, no holomovimento, o que está sucedendo nas profundezas daquele único momento do tem­po contém informações sobre a totalidade do tempo.

WEBER: A coisa toda. Você está dizendo, então, que o momento é atemporal.

BOHM: Sim, correto, o momento é atemporal, a conexão entre momentos não está no tempo mas na ordem implicada.

WEBER: Que você disse que é intemporal.

BOHM: Sim. Portanto, deixe-me propor isso também para a consciência; deixe-me propor que a consciência está, basicamente, na ordem implicada, assim como toda matéria o está; portanto, não é que a consciência seja uma coisa e a matéria seja outra, mas sim que a consciência é um processo material e que ela própria se encontra na ordem implicada, como toda matéria, e que a consciência se manifesta em alguma ordem explicada, como também o faz a matéria em geral.

WEBER: A diferenciação entre aquilo a que chamamos matéria e a cons­ciência seria, penso que você o disse ontem, o estado de densidade ou sutileza.

BOHM: O estado de sutileza, sim, a consciência é possivelmente uma forma mais sutil de matéria e movimento, um aspecto mais sutil do holomovimento.

WEBER: Sim. E a matéria é muito densa ou pesada ou congelada.

BOHM: Seja o que for, mas menos sutil.

WEBER; Quando você diz consciência refere-se a pensamentos, emoções, desejos, vontade, enfim a toda a vida mental ou psíquica?

BOHM: Sim, a tudo isso.

WEBER: E você está dizendo que a fonte daquilo que percebemos tanto no assim chamado mundo externo como em nós mesmos, em nossos assim cha­mados processos internos, reside nesse não-manifesto.

BOHM: Sim, e o próprio não-manifesto reside em algo que está imensa­mente além dele.

WEBER: Podemos nos aproximar desse algo que está além, imensamente além dele (e que eu bem sei que não pode ser conhecido)?

BOHM: Bem, não. Podemos nos aproximar de qualquer coisa somente atra­vés do manifesto. Tentemos dizer que ele pode agir, que o todo pode agir em cada aspecto, mas que o aspecto não pode se aproximar do todo, certo?

WEBER: O oceano é mais amplo e contém a gotícula.

BOHM: A gotícula não tem meios de se aproximar do oceano.

WEBER: Mas ele pode, o oceano pode (... qual é a palavra?...) agir sobre a gotícula, ele está presente nela.

BOHM: Sim, está presente na gotícula e age sobre ela e dentro dela.

WEBER: Com vários graus de intensidade ou de energia?

BOHM: Bem, sim, mas penso que há um certo perigo aqui devido [ao que estamos fazendo agora]. Devemos agora retroceder ao pensamento. Digo que o pensamento é um processo material e, uma vez que se baseia na memória, é ma­nifesto. Veja, o pensamento é a manifestação de alguma mente mais profunda. Agora, a relação entre o pensamento e a mente mais profunda poderia ser semelhante à relação entre matéria e essa energia do vazio, que é muito maior. Por­tanto, o pensamento é na verdade uma coisa muito pequena. Mas o pensamento forma um mundo próprio no qual todas as coisas estão presentes, certo?

WEBER: Sim, ele se encapsula e se reifica.

BOHM: Ele se reifica e imagina que nada mais existe exceto aquilo que ele pode pensar sobre si mesmo e aquilo sobre o que ele pensa. Portanto, o pen­samento agora lançará mão das palavras, “o não-manifesto”, e formará a idéia do não-manifesto; portanto, o pensamento pensa que o manifesto mais o não-manifesto juntos formam o todo, e que esse pensamento global representa agora um passo além do pensamento, como vê. Mas, na realidade, não representa. Esse não-manifesto que o pensamento imagina é ainda, por definição, o manifesto, pois imaginar é também uma forma de pensamento. É uma forma de pensamen­to; é a manifestação do pensamento. Desse modo, portanto, é muito fácil entrar numa autofraude e, possivelmente, muitas pessoas que pensaram sobre isso, nesse sentido geral, podem ter-se enredado aí, através das épocas. O problema é que é perigoso fazer isso, a saber, deixar que o pensamento imagine que apreendeu o todo. Obviamente, o não-manifesto a respeito do qual conversamos é um não-manifesto relativo. É ainda uma coisa, embora seja uma coisa sutil.

WEBER: É ainda material e governado por certas condições,

BOHM: Sim, Condições, leis e assim por diante. E ele pode nos ajudar a com­preender a sutileza que a matéria pode alcançar, mas ao mesmo tempo, veja, por mais sutil que a matéria se torne, ela não é o verdadeiro fundamento de toda exis­tência. Lembre-se de que a palavra “verdade” em latim, verus, significa “aquilo que é”, e que a palavra “verdadeiro” em inglês significa “reto”: honesto e fiel e reto. Poderíamos dizer que a consciência pode ser honesta, fiel e reta, mas ela não é... ela não é aquilo que é.

WEBER: Está certo. Ela provém daquilo que é.

BOHM: Certo, de certa forma é assim. Mas temos de ser cuidadosos por­que postulamos implicitamente que o pensamento já desceu até aquilo que é..., de maneira que você, imediatamente, se acha imaginando aquela coisa mais pro­funda, que é, e o pensamento surgindo dessa coisa. Ora, isso é uma autofraude.

WEBER: Sim, percebo. Mas, por outro lado, se ao se tentar, por qualquer meio que seja, lidar com isso (esta é uma palavra pobre), enquadrando-o da ma­neira mais cautelosa possível, não se poderia dizer — e eu penso que é isso que você esteve sugerindo — que seria possível cogitar na possibilidade de que é mas não na daquilo que é?

BOHM: Bem. Sim, podemos considerar que talvez se trate, de fato, daquilo que é, mas, ao mesmo tempo, precisamos ser muito cuidadosos ao dizer que o pensamento não é capaz de apreender isso; portanto, em algum estágio, o pen­samento tem de colocar essa questão de lado, relativa àquilo que é, como vê. O pensamento não pode apreender aquilo que é. E qualquer tentativa para apreen­der aquilo que é nos compromete em séria autofraude, que contunde todas as coisas. Portanto, esse pensamento tem de aprender ou, de alguma forma, chegar a um estado de disciplina, ou como quer que você queira chamá-la, disciplina espontânea, sua própria disciplina.

WEBER: Ordem?

BOHM: Sim, ordem, na qual ele não tenta apreender as perguntas que es­tão além dele, tal como essa pergunta sobre aquilo que é. Ele pode apreender qualquer pergunta relacionada, que é condicionada ou, de certa forma, condicional a ela. Portanto, até mesmo a consciência não-manifesta da matéria não-manifesta, que é altamente sutil, está ainda dentro da possível área do pensamento.

WEBER: Isso se acha ligeiramente à parte da autofraude, mas quero ape­nas deixar de lado, por um momento, o aspecto fenomenológico, para voltar à cosmologia. Você disse que o não-manifesto gera e realmente governa o que é manifesto.

BOHM: Bem, o manifesto está realmente dentro do não-manifesto. É co­mo a nuvem dentro do ar.

WEBER: OK. É um subconjunto dele?

BOHM: De certa forma, bem, é difícil expressar isso, mas a nuvem é uma forma dentro dele, ela não é realmente muito substancial, mas é uma forma den­tro do todo. Na verdade é o nosso pensamento, que abstrai da nossa percepção, e o pensamento que abstrai aquela nuvem; e, em certo sentido, a memória abstrai do todo não-manifesto um certo subalgo que é manifesto.

WEBER: Mas nossa percepção também, não? Pois somente o que é aces­sível a nós pode ser manipulado como manifesto.

BOHM: Sim, mas estamos discutindo a consciência. Dizemos que a cons­ciência é seja o que for, com seu conteúdo. É uma questão de ser cuidadosamen­te lógica; podemos discutir um universo mais amplo, que é material e que even­tualmente se desvanece em alguma coisa que está além.

WEBER: Espírito?

BOHM: Aquilo a que chamamos de espírito. Vamos discutir isso um pouco mais. A matéria, eu diria, é aquilo que contactamos através de nossos sentidos, de nossos instrumentos e de nosso pensamento. E toda a extensão daquilo que ainda chamamos matéria. Um campo ainda é matéria. Agora, o que é espírito? Tradicionalmente, o espírito tem sido oposto à matéria. Espírito deriva da pala­vra spiritus, alento e vento. Basicamente, significa aquilo que é não-manifesto, mas que move o manifesto. Penso que a concepção usual acerca do espírito é a de alguma coisa que está além da matéria; por exemplo, que criou a matéria. Realmente, essa é a visão que se encontra no Gênesis.

WEBER: Deus?

BOHM: Algumas pessoas o chamam assim. E você pode tentar obter uma visão do espírito, assim como a noção de Deus, como algo imanente. Mas tanto o Deus imanente como o Deus transcendente teriam de estar além do pensamen­to. Ora, nós enganamos a nós mesmos se o pensamento pensa que o espírito ou Deus é imanente, e que então o apreende; ou que Deus é transcendente e, assim sendo, já transcendeu a si próprio, certo? Há uma autofraude. Temos de ser muito cautelosos aqui, muito claros, como vê, de outra forma poremos em andamento a confusão. Digamos, em primeiro lugar, que o próprio pensamento estabeleceu uma distinção entre matéria e espírito. E está claro o que esta distinção significa: tudo o que não tenha uma forma sólida óbvia e que mova alguma coisa mais é chamado espírito, como faz o vento; então, posteriormente, descobrimos que o vento é realmente matéria, certo? Mas, da mesma forma, poderíamos dizer que havia um espírito além do vento, e portanto temos esse regresso infinito. Assim, finalmente poderíamos dizer agora que um ponto de vista consis­tente é o de sustentar que algo como a matéria não-manifesta está desempenhan­do um papel semelhante àquele que o pensamento atribuía ao espírito. Ele move a matéria manifesta, mas ambos são matéria, matéria sutil e matéria espessa. Agora, o que quer que entendamos por aquilo, é algo que está além da matéria, não po­demos apreendê-lo em pensamento. Quero dizer, o pensamento pode colocar a questão, mas não pode ir mais além.

WEBER: Podemos, no entanto, afirmar de maneira razoável que deve ha­ver algo além disso?

BOHM: Não, não podemos. Podemos dizer que seria razoável dizer que há, mas não podemos dizer, por meio do pensamento, se há ou não há.

WEBER: Podemos fazê-lo por quaisquer outros meios?

BOHM: Bem, essa é a questão. Mas, veja só, no momento estamos discu­tindo o pensamento. O pensamento que tenta fazer isso será levado à autofraude e produzirá confusão. Então a pergunta seria: O que estaria envolvido em não se usar o pensamento? Isso envolveria a cessação do pensamento. Portanto, isso nos colocaria fora do alcance daquilo que estamos discutindo. Mas poderíamos dizer que é apenas quando o pensamento, efetivamente, não está lá que seria possível perceber o que está além do pensamento. Quando o pensamento está lá, a tentativa de apreender o que está além dele não pode funcionar.

WEBER: É o filtro que o descartaria por filtragem.

BOHM: Sim, e então não seria mais ele. O pensamento filtraria de acordo com sua medida, e sua medida é um tanto pequena, e ele filtraria essa imensa realidade ou totalidade, e sobraria apenas algum cantinho, alguma coisa pequena que o pensamento pode reter.

WEBER: Portanto, o pensamento é realmente a sentinela que fica de guarda, tornando impossível que alguma coisa despiste sua vigilância.

BOHM: O pensamento tem o seu lugar; mas o pensamento que tenta ir além de seu lugar bloqueia o que está além.

WEBER: Sim, mas ontem surgiu alguma coisa que foi relevante com rela­ção a isso, a idéia do não-pensamento. O que você chamou de insight, o que você e Krishnamurti chamam de insight, pode penetrar nesse estado de coisas, atraves­sando-o, e mudar a própria matéria.

BOHM: Certo, a matéria no próprio cérebro. Veja que poderíamos supor a existência de um insight que pode surgir nessa totalidade desconhecida, e esse insight atua diretamente sobre a matéria do cérebro ou no nível sutil não-manifesto ou possivelmente no manifesto, ou pode, e isso é mais provável, atuar no sutil não-manifesto, que então muda o manifesto. Desse modo, a própria maté­ria do cérebro pode mudar e ser colocada em ordem por meio do insight. E, nesse caso, o próprio pensamento muda, não por meio do próprio pensamento, nem por meio do raciocínio, mas sim, é uma mudança direta que ocorre no pensamento.

WEBER: Pelo simples fato de existir. Torna-se alguma coisa mais.

BOHM: É alguma coisa mais. Transformou-se em seu ser.

WEBER: Posso levar essa pergunta um pouco além? Você está dizendo que manifestações mais sutis do que chamou matéria, ou matéria-energia, têm o poder de transformar matérias menos sutis?

BOHM: Correto. Assim como o vento movimenta as nuvens, (bem, as nu­vens também podem ter algum efeito sobre o vento, isso funciona em ambos os sentidos)... mas a fonte primária é a mais sutil.

WEBER: Devido ao fato de possuírem mais energia?

BOHM: Também porque são mais abrangentes. Estamos dizendo que o sutil é que é básico e o manifesto é seu resultado. Veja, estamos virando a coisa de cabeça para baixo. O ponto de vista habitual é dizer que o manifesto é que é real, e que o sutil é, ao contrário, sem importância, que ele é apenas fraco. É alguma coisa sem importância.

WEBER: Isso é exatamente o inverso. O não-manifesto é o mais sutil, e o mais sutil tem o poder de transformar o espesso, mas não o contrário. O es­pesso bloqueia o mais sutil?

BOHM: Certo. Sim, o espesso não pode manipular o mais sutil.

WEBER: Portanto, o insight seria quase um instrumento para deixar essas energias penetrarem.

BOHM: É mais que um instrumento. Penso que essas energias é que são um instrumento do insight. O insight está além dessas energias. A sugestão é a de que o insight é uma inteligência além de qualquer uma das energias que possam ser definidas no pensamento.

WEBER: Uma inteligência ativa?

BOHM: Sim, inteligência ativa. É ativa no sentido de que não presta aten­ção ao pensamento. Ela transforma diretamente a matéria; ela, por assim dizer, “dá a volta por cima” do pensamento, como se ele fosse coisa de pouca importância.

WEBER: Ordena que ele fique quieto, ou, digamos, coloca-o provisoria­mente fora de serviço.

BOHM: Bem, mas não é apenas isso, ela muda-o por toda parte e remove todas as obstruções dentro dele, todas as confusões, e assim por diante. É como pegar um ímã e reordenar as partículas na fita, como você sabe. A diferença é que isso seria feito inteligentemente, de maneira a eliminar o barulho e manter a men­sagem correta.

WEBER: Mas essa metáfora do ímã, como está dizendo, se eu a entendo, é que o ímã só pode atrair de acordo com sua própria natureza e constituição. Pode apanhar, digamos, nessa rede, tudo o que seja capaz de apanhar. Agora, reordenar esse ímã, para usar a metáfora do insight, significa que eu mudei a mim mesma de tal forma que consigo perceber realidades diferentes.

BOHM: É o insight que faz isso, veja, o insight não é você, certo? O insight, sendo a suprema inteligência, é capaz de reordenar a própria matéria estrutural do cérebro, que serve de base ao pensamento, de modo a remover a mensagem que está causando a confusão, deixando as informações necessárias e deixando o cérebro aberto para perceber a realidade de uma maneira diferente. Mas, no momento, ele está bloqueado, o condicionamento nos bloqueia, porque cria uma pressão para manter o que é familiar e antigo, e torna as pessoas medrosas para considerar qualquer coisa nova. Assim, a realidade é limitada pela mensagem que ficou profundamente impressa nas células do cérebro desde a primeira infância. Agora, o insight realmente remove essa mensagem, essa parte da mensagem que está causando esse bloqueio.

WEBER: E nos torna comensuráveis com ele?

BOHM: Ele abre o pensamento até renová-lo outra vez, de modo que possa operar racionalmente. Pode-se dizer que a permanência dentro desse bloqueio é completamente irracional. É resultado de pressão. Aceita-se a idéia de que esse bloqueio é verdadeiro porque ele alivia a pressão da incerteza.

WEBER: Percebo. Mas quando você considera o termo “racionalmente” ou “razoavelmente”, estaremos sendo bastante claros? Você não está se referin­do ao que o Iluminismo ou Descartes entendiam por isso; você se refere a algo que está muito além disso.

BOHM. A razão pode ter duas fontes. Uma é a memória, que é mecânica, como um computador.

WEBER: Combinando as coisas certas?

BOHM: Sim. Podemos raciocinar a partir daí, e que está sujeita a todas as pressões irracionais que também estão na memória; pressões emocionais, te­mores, todas essas experiências, e assim por diante, e portanto esse tipo de racio­cínio é muito limitado. Pode ser apanhado muito depressa pela autofraude.

WEBER: E para você isso significa uma barreira. Não é desse raciocínio que você está falando.

BOHM: Certo. Mas, então, pode haver uma razão que flua a partir do insight e uma razão que opere como um instrumento de inteligência. É um tipo de razão inteiramente diferente.

WEBER: Ela envolve o quê? Ordem, mas não ordem mecânica?

BOHM: Não é ordem mecânica nem está limitada por pressão, como vê. Tomemos como exemplo um físico. Se ele se sujeitou a todos esses cursos de mecânica quântica e pressões para pensar desse modo, será aprovado se assim o fizer, desaprovado se não agir dessa forma, arranjará um emprego no primeiro caso, no segundo, não, e assim por diante continuamente, e no momento em que lhe ocorre a idéia de pensar de outro modo, haverá uma intensa pressão que apagará essa idéia. Desse modo, isso não é mais razão, é ausência de razão.

WEBER: Mas ele pensará que é razão. Ele racionalizará isso.

BOHM: Sim, ele pensará que é razão, e dirá que é razão porque ele apagou toda essa pressão. Tudo isso acontece depressa demais e automaticamente.

WEBER: E ele é aprovado pelo consenso da comunidade dos físicos?

BOHM: Bem, todos estão fazendo a mesma coisa,como vê. Todos eles apóiam uns aos outros e todos eles dizem que isso está certo, mas é tudo a mesma coisa.

WEBER: Podemos voltar atrás por um momento? Esse possível estado de que você fala, onde opera a inteligência ou o insight, porque é um estado desblo­queado, pois foram afastados os obstáculos...

BOHM: É o insight que afastou os obstáculos, não fui eu, certo?

WEBER: Está certo. Você supõe que aquilo com o qual estaria em contacto está além do não-manifesto, é a fonte do não-manifesto. Está sugerindo que esse é o domínio do — podemos chamá-lo assim — “sagrado”?

BOHM: Bem, tem sido chamado de sagrado. Como se sabe, a palavra “santo” [holy] é baseada na palavra “todo” [whole], poderia ser chamada de todo, ou to­talidade. Veja, a palavra “sagrado” infelizmente passou a significar algo diferente de sua raiz original, isto é, um sacrifício que se faz. Hoje, está intimamente vin­culada à idéia de religiões organizadas oferecendo sacrifícios e coisas assim, e tem muitas conotações infelizes.

WEBER: Mas você sente que a palavra “todo”, a palavra “santo”, é...

BOHM: É um pouco melhor, sim. A palavra sagrado pode ser usada, mas então você deve ter em mente todas essas conotações erradas.

WEBER: Está certo, e dissociá-la dessas conotações. Se alguém o questio­nasse, dizendo: “Então você está afirmando que, se a ordem implicada se ajusta a isso, ela também implica a confirmação de uma inteligência universal?”

BOHM: Não, ela não a confirma. A ordem implicada ainda é matéria, e ainda seria possível concebê-la, se você se detivesse lá, como uma espécie de for­ma mais sutil de mecanismo.

WEBER: Não, quero dizer subir todo o caminho...

BOHM: Sim, mas então você está dizendo apenas que as implicações da ordem implicada, as implicações fundamentais, se resumem nisso [isto é, em tudo o que precede], mas novamente você está correndo o perigo de cair nessa arma­dilha do pensamento imaginando que ele captou esse todo.

WEBER: Bem, não é isso, nós concordamos que o pensamento atento com­preende que não pode captar o todo, mas estamos falando agora sobre o insight, o insight, que... chegando a perceber que a fonte...

BOHM: Mas você percebe que há um perigo aqui. Acho que é necessário ser muito disciplinado ou austero ou como quer que você queira chamá-lo, porque o pensamento pode, com muita facilidade, se não está presente um insight real, pos­tular o insight, e depois, no momento seguinte, você dirá erradamente que isso é insight. Temos, portanto, de ser muito, muito claros quanto ao que podemos fazer com isso, e podemos percorrer uma certa distância com isso, um certo caminho e...

WEBER: E não projetar?

BOHM: E não projetar. Veja, a tentação de projetar precisa ser entendida; temos de ser cautelosos quanto a isso, observar isso cuidadosamente, de outra forma isso poderia se tornar uma armadilha.

Tudo o que podemos dizer é que essa visão é compatível com a noção de que há uma verdade, uma realidade, um ser além daquilo que pode ser apreen­dido pelo pensamento, e que é inteligência, o sagrado, o santo.

WEBER: Ordem?

BOHM: É ordem, é verdade, vários nomes lhe foram dados, e é aquilo que é, no qual todas as coisas com as quais o pensamento pode lidar se desdobram e se manifestam, mas como alguma coisa relativamente pequena.

WEBER: Uma conseqüência pequena mas natural.

BOHM: Sim, surgindo daquilo, num certo sentido, mas, ao mesmo tempo, você tem de ter cuidado ao dizer isso, temos de ser cuidadosos para não nos de­morarmos aí muito tempo.

WEBER: Para não explorá-lo de maneira inconseqüente.

BOHM: Sim, não fazer nada com ela realmente, porque nada há que pos­samos fazer com ela, como vê, e portanto temos de voltar e dizer que o que fa­zemos com a ordem implicada ainda se acha no domínio do pensamento. Em outras palavras, podemos então trazer ordem, a ordem implicada pode trazer uma ordem ainda maior para o domínio a que chamamos domínio comum.

WEBER: Isso é assim e, no entanto, com base no que você está dizendo e em seus trabalhos, pelo que sei deles, está o reconhecimento de que, embora não possamos dizer mais do que acabamos de dizer a respeito desse outro do­mínio, se estamos querendo examinar minuciosamente o trabalho muito árduo que é exigido para desmontar o pensamento ou o obstáculo, há uma possibili­dade de os seres humanos passarem a se relacionar (talvez essa seja uma palavra pobre) com esse domínio.

BOHM: Compreendo o que você quer dizer, que a ordem implicada ajuda a remover algumas das barreiras lógicas para efetuar esse trabalho. Veja, se acei­tamos a idéia da ordem explicada de tudo, com exclusão de qualquer outra coisa, de tudo o que é manifesto, então torna-se absurdo pensar em todos os seres hu­manos tornando-se uma unidade, e assim por diante, você sabe, o universo co­mo um todo. Mas agora dizemos que essa velha concepção [isto é, a ordem expli­cada como sendo a definitiva ou o todo da realidade] foi, em si mesma, uma tre­menda abstração, e que foi realmente muito grosseira, rude, e que seguindo a própria ciência fomos levados a uma visão que é compatível com a totalidade [wholeness] da humanidade, ou sua santidade [holiness], se quiser chamá-la por esse nome. A humanidade se acha agora estilhaçada e fragmentada em incontá­veis pedacinhos, não somente nações, religiões e grupos, mas cada indivíduo nas famílias, isolado de todos os outros; e por dentro, cada indivíduo também está dividido em muitos fragmentos; e essa tremenda fragmentação origina caos, vio­lência, destruição e muito pouca esperança de que surja qualquer ordem real. E agora, isso é confirmado pela visão geral sobre tudo, como sabe, visão segundo a qual a realidade básica consiste em pequenos pedacinhos, todos isolados uns dos outros.

WEBER: Atomística?

BOHM: Atomística. Em outras palavras, isso recebe sua confirmação e seu reforço, e portanto, quando as pessoas reconhecem essa fragmentação, quando olham para a ciência, vêem nela uma confirmação da necessidade dessa fragmen­tação, certo? E isso a fortalece. Se abordamos a ciência dessa outra maneira [ex­plicada], dizemos que estamos fragmentados, mas quando olhamos para o mun­do material, percebemos que na realidade estamos totalmente fora de alinha mento com o mundo material. Não há, em absoluto, justificativa para a nossa fragmentação no mundo material.

WEBER: Você quer dizer que é porque esse não é o verdadeiro estado das coisas.

BOHM: Não, em absoluto, o verdadeiro estado das coisas no mundo material é a totalidade. Se somos fragmentados, devemos lançar sobre nós mesmos a culpa disso.

WEBER: Nossa falsa visão?

BOHM: Nossa falsa visão, certo, ou a pressão que nos faz aderir a essa visão, a despeito das evidências em contrário.

WEBER: Você poderia — creio que ainda não tocamos nesse ponto — poderia tentar dizer algo que se relacione, diretamente, com essa ligação; em outras palavras, a totalidade da humanidade como uma 'conseqüência desse novo entendimento.

BOHM: Bem, não seria uma conseqüência, mas queremos dizer que é com­patível com ela. Essa nova compreensão não produzirá a totalidade da humani­dade. Tenho plena certeza disso.

WEBER: Por que é apenas pensamento?

BOHM: É apenas pensamento, mas é compatível com o todo; é a maneira de pensar que é compatível com a totalidade da humanidade e, portanto, pode ajudar a criar um clima melhor para a totalidade.

WEBER: E você pode, na medida em que isso agora se aplica ao homem, descrever esse todo, expressá-lo com suas próprias palavras?

BOHM: Sim, mas voltemos à ordem implicada, não-manifesta, da consciên­cia. Na ordem não-manifesta, tudo é um. Como vê, não há separação no espaço e no tempo. Na matéria comum, isso é assim, e é igualmente assim ou o é ainda mais para essa matéria sutil que é a consciência. Portanto, se somos separados é porque estamos extensamente apegados ao mundo manifesto, que experimen­tamos como sendo a realidade básica, onde a questão toda relativa ao mundo manifesto consiste no fato de ela possuir unidades separadas. Quero dizer que, de qualquer forma, isso relativamente é assim, separadas mas interagentes, e assim por diante. Ora, na realidade não-manifesta, tudo é interpenetrante, tudo se inter-conecta numa unidade. Dizemos assim que, em suas profundezas, a consciência da humanidade é una. Dizemos que isso é uma certeza virtual porque até mes­mo a matéria é una no vácuo; e se não percebemos isso é porque nos tornamos deliberadamente cegos a essa realidade.

WEBER: E, portanto, você está dizendo que nós é que construímos o es­paço e o tempo, realmente, no sentido kantiano e até mesmo para além de Kant?

BOHM: Sim, o espaço e o tempo são construídos por nós, para a nossa con­veniência, embora sejam criados de tal maneira que, quando estamos fazendo tudo certo, eles são de fato convenientes. A palavra “conveniente” baseia-se em “chegan­do juntos”, em “reunir-se”, chegar juntos. Ora, nossas convenções são convenientes, e isso não é puramente subjetivo; elas realmente se ajustam à realidade da matéria. Desse modo, as convenções não são apenas uma escolha arbitrária feita para nos agradar, para nos gratificar; trata-se mais propriamente de convenções que são convenientes, que se ajustam à matéria como ela é. E agora, estamos dizendo que espaço e tempo é uma ordem conveniente para uma certa faixa de propósitos.

WEBER: No manifesto? •BOHM: Sim, no manifesto.

WEBER: Mas você está dizendo que essa ordem não tem lugar no não-manifesto.

BOHM: Não é a ordem fundamental. Seu único lugar é no não-manifesto... ela tem um lugar, mas somente como relação. Ocupa um certo lugar, mas não é o lugar fundamental.

WEBER: Trata-se daquele n-1 e n-2 de que você falou anteriormente?

BOHM: Sim, trata-se disso.

WEBER: Mas você diz que, no não-manifesto, a consciência ou mente da humanidade é, efetivamente, una. E você entende isso num sentido plenamente literal, e não metafórico ou poético.

BOHM: Não, trata-se de uma consciência una, e você pode ver como evi­dência disso o fato de que os problemas básicos da humanidade são um só. Veja que eles são os mesmos, a saber: medo, ciúme, esperança, confusão, você conhece o problema do isolamento, e assim por diante. Se você andar por aí, verá que, no fundo, todos os problemas são os mesmos.

WEBER: Portanto, é uma camada universal de algum tipo.

BOHM: Sim, podemos dizer que esses problemas têm origem na consciên­cia da humanidade e se manifestam em cada indivíduo. Veja, cada indivíduo ma­nifesta a consciência da humanidade. É isso o que estou dizendo.

WEBER: isso porque ele é, num certo sentido, essa consciência.

BOHM: Ele é essa manifestação.

WEBER: Certo. E, à medida que ele percebe a si mesmo, no manifesto, ele se isola e faz de si mesmo uma abstração,

BOHM: Sim, se ele diz que a manifestação tem existência independente, isso é o mesmo que dizer que a nuvem existe por si mesma, independentemente do ar.

WEBER: Ou a partícula sem o oceano, o background todo?

BOHM: Ou a gotícula de tinta sem seu background todo.

WEBER: Desse modo, o indivíduo, à medida que ele pensa sobre si mesmo, nada mais é que manifestação aberta, assim como a cadeira também o é, desse background subjacente?

BOHM: Certo, assim como a cadeira o é, e a montanha, porque são uma manifestação de uma energia mais profunda, de uma ordem mais profunda, de uma realidade mais profunda que não é manifesta.

WEBER: E você está dizendo que isso não é misticismo, que é física de boa qualidade.

BOHM: Bem, estou dizendo que é mais compatível com a física do que qualquer outra visão que eu conheça.

WEBER: Se alguém fosse levar isso realmente a sério na vida diária, quão diferentemente ele interagiria com outro ser humano?

BOHM: Bem, seria uma tremenda mudança mas, veja só, para fazer isso temos de apagar, no cérebro, a gravação dessa outra visão que ficou profunda­mente impressa na estrutura material do cérebro. Poderíamos chamá-la de cor­rupção da humanidade, e dizer que essa poluição foi depositada aí, no cérebro, na consciência e nos níveis mais profundos, não apenas nos níveis manifestos do cérebro, mas também no não-manifesto, e que essa poluição é essa visito glo­bal que leva a toda essa violência, corrupção, desordem e autofraude. Veja, você poderia dizer que a quase totalidade do pensamento da humanidade tem por meta a autofraude que, a todo momento, alivia as pressões decorrentes desse modo de pensar, de ser separado, e isso produz pressões. Quando uma pessoa se acha sob pressão, qualquer pensamento que surja para aliviar essa pressão será aceito como verdadeiro. Mas, de imediato, isso produz um pouco mais de pressão, pois esse pensamento é errado, e então ela recorre a outro pensamento para aliviar esse pensamento.

WEBER: É como roubar de Pedro para pagar Paulo.

BOHM: Sim, e esse tem sido o principal caminho. Se você observar como se processam as negociações internacionais, não reconhecerá nelas verdade alguma, em absoluto. Elas resultam inteiramente de pressões: medo, ganho, ganância, com­promisso, desistência de certos objetivos a fim de realizar outros, considerados mais vantajosos, pressões para que uma determinada meta seja alcançada e não sei mais o quê. Aceita-se como verdadeira qualquer afirmação que alivie essa pressão. E então, no momento seguinte, haverá uma reviravolta e as pessoas aceitarão outra afirmação.

WEBER: E você pensa que isso também acontece no nível das pequenas escalas?

BOHM: Obviamente acontece nas famílias. As pessoas são forçadas, na família, a afirmar coisas que a pressão da família diz que são verdadeiras. Isso acontece nas organizações, nas instituições...

WEBER: Mas você está dizendo que isso não precisa acontecer.

BOHM: Não, mas seria necessária essa mudança material no conteúdo do cérebro.

WEBER: E, portanto, o que você esteve dizendo é que a primeira ordem de prioridade é recorrer a ela.

BOHM: Sim, porque sem isso tudo fica confuso.

WEBER: E que até mesmo o falar a respeito de domínios que ficam além do não-manifesto irá conseqüentemente refletir essa confusão. Desse modo, uma pessoa não deve arremessar-se até esses domínios, mas procurar resolver aquilo que para você é o bloqueio.

BOHM: Sim, está certo. Podemos levar ordem aos domínios que o pensa­mento pode tocar, porque esse é o começo, e o insight é, basicamente, aquilo que é necessário para introduzir essa ordem no próprio cérebro. E eu penso que essa atual visão da ciência [positivista e pragmática] contribuiu consideravelmente para a desordem no cérebro, pois, uma vez que as pessoas levam isso a sério, elas lhe dão muito peso. Por isso, contribuirão causando confusão em tudo o mais que está no cérebro.

WEBER: Agora, se fosse perguntado a você como alguém, convencido da desordem de sua vida diária, começaria por considerar prioridade sua a resolução desse problema, o que você diria? Falaria segundo princípios krishnamurtianos?

BOHM: Bem, o que você realmente está perguntando, ao dirigir a questão para Krishnamurti, é: Qual é a essência do que ele diz? Correto? E de que ma­neira ela difere do que outras pessoas disseram?

O primeiro ponto a considerar é que observemos o caos em nossa vida diária, assim como na escala maior, nas relações humanas. Vemos que é o caos o fator que se acha difundido, e que a ordem é somente relativa, limitada e ocasional. E vemos que a origem desse caos está no nosso pensamento, no nosso pensamen­to fragmentado e atomístico.

WEBER: Falso, com base no que você disse. Nossa maneira falsa de pensar.

BOHM: Nosso pensamento falso. Se fosse verdadeiro não produziria caos, certo? Produziria ordem. Aqui você tem a primeira diferença entre ele [Krishnamurti] e um grande número de filosofias ao longo dos séculos, porque os filó­sofos examinaram muitas dessas questões, mas, em parte, sua crença era a de que, no final das contas, eles seriam capazes de dispor o pensamento de uma maneira ordenada, e que isso ajudaria a guiar a humanidade até a ordem. Agora, estamos dizendo que o pensamento é a fonte da desordem.

WEBER: Não o conteúdo do pensamento, mas o próprio pensamento, sua própria forma.

BOHM: Sua própria natureza, em si mesma. Sua forma, sim.

WEBER: Esta não pode ser fixada porque é...

BOHM: É desordem. Portanto, estamos dizendo que temos de ficar cientes dessa desordem, temos de ser cuidadosos para não imaginar que estamos além dela, e observar como ela se processa, à medida que se manifesta ao nosso redor e dentro de nós, sendo que o fato é: temos de estabelecer ordem nesse limitado campo do pensamento porque é a fonte da desordem que impede o funciona­mento desse campo maior. Afinal de contas, é preciso insight para realizar isso, como eu disse, e um estado de alta energia.

WEBER: Enquanto que, como você está dizendo, a maioria de nós vive num estado de baixa energia?

BOHM: Sim. E isso nos extenua.

WEBER: ... Tudo isso nos extenua: pensar, viver e sentir erradamente.

BOHM: Temos de chegar a um estado de alta energia, e um dos pontos que Krishnamurti estabelece é começar com algumas coisas simples, não desperdiçar energia, por exemplo, bebendo, fumando e discutindo, e várias coisas semelhan­tes. As pessoas desperdiçam nisso uma energia fantástica: você pode ver, nos vá­rios tipos de briga em família, quanta energia isso consome.

WEBER: Isso nos esgota.

BOHM: Sem dúvida. É muito destrutivo. Isso, portanto, em si mesmo, já é um começo: quando você presta atenção nas pressões que causam essa discórdia, você é, ao mesmo tempo, obrigada a olhar interiormente para aquilo que a está compelindo a esse comportamento irracional e destrutivo. E você pode ver as pressões que a estão empurrando. Então, você continua a partir daí (e nós apenas resumiremos isso agora) até um insight que não se estende apenas a esta ou àquela pressão, ou a qualquer outra pressão, mas à pressão em seu todo, em sua raiz. Dizemos que a pressão tem origem, provavelmente — se eu fizer uso de minha linguagem —, eu diria que a pressão tem origem, provavelmente, nessa consciência não-manifesta, e que depois ela se manifesta. E, à medida que ela se manifesta, ela retorna para poluir ainda mais essa consciência não-manifesta, e então ela se acumula. Assim, poderíamos dizer que toda a pressão, toda a confusão, tem, basicamente, um germe. E o insight que ilumina esse germe removerá esse germe e permitirá que a coisa toda se torne clara. Ora, quando ele se escla­rece, como você sabe, mesmo quando ele começa a se esclarecer, a energia co­meça a subir e a se armazenar, como vê. À energia tem sido, igualmente, da­do o nome de paixão. Em outras palavras, é necessário que se tenha clareza e paixão juntas.

WEBER: A mente e o coração, como se costumava falar,

BOHM: Sim. Isso costumava ser chamado de mente e coração. Inteligência e paixão. Clareza e paixão.

WEBER: Ou inteligência e amor?

BOHM: Sim. Mas amor no sentido de alguma energia muito intensa — e não apenas...

WEBER: Sentimento.

BOHM: Sentimento.

WEBER: Não. Amor sem conteúdo, é o que você está dizendo. Sem uma imagem mental. Certo, você diz que as raízes de todos esses problemas incon­ciliáveis e intermináveis com os quais tropeçamos em nossa vida diária não resi­dem no manifesto, mas no não-manifesto.

BOHM: Residem no não-manifesto. E toda essa corrupção do não-mani­festo — essa poluição que se acumulou através das eras — poderíamos chamar de aflição da humanidade. Não está apenas num indivíduo. Está na consciência não-manifesta da humanidade.

WEBER: É uma consciência coletiva?

BOHM: Bem, é mais do que coletiva. Pode-se concebê-la como coletiva. No entanto, não é uma coleção de consciências.

WEBER: Não é aditiva. É una, você disse.

BOHM: Sim. É una.

WEBER: Portanto, nesse sentido, coleção talvez não seja um bom termo. Como a chamaríamos?

BOHM: Bem, simplesmente de não-manifesto, a consciência universal da humanidade. Essa aflição está aí, como vê. E ela cria essa imensa pressão para aliviá-la, que posteriormente corrompe e polui tudo.

WEBER: E no entanto a singularidade a respeito disso (e talvez seja o que deu origem à convicção de que o eu separado é primário e não derivado), a sin­gularidade está no fato de que é, não obstante, o próprio indivíduo que tem de depurar, por assim dizer — que tem de limpar sua própria —, o quê? Sua própria parte que lhe cabe no âmbito disso?

BOHM: Correto. Sim. E portanto, veja só, isso é muito mais sutil porque poderíamos dizer que, em certo sentido, o indivíduo tem acesso direto à totali­dade cósmica. E, portanto, é através do indivíduo que a consciência geral tem de ser depurada, tem de dar início à depuração.

WEBER: Mas somente no sentido da parte que lhe cabe nisso?

BOHM: Não, não é a parte que lhe cabe nisso, pois ele, o indivíduo, vai além. O indivíduo é uma realidade que inclui essa manifestação da consciência da humanidade, mas ele é mais que isso. Cada indivíduo é o seu próprio con­tacto particular. Cada indivíduo está em total contacto com a ordem implicada, com tudo o que nos rodeia. Portanto, em algum sentido, ele é parte do todo da humanidade, e em outro sentido ele pode ir além disso.

WEBER: Ele é um foco para o universal.

BOHM: É um foco para algo que está além da humanidade.

WEBER: Todavia, o paradoxo que me inquieta é este: você pensaria que se o coletivo não-manifesto é a fonte radical do conflito — então se um santo, digamos, um ser santamente humano, atinge a integridade — nesse caso a coisa toda devia ser, como você disse, impoluta. Mas isso não é assim. Ora, por que não é assim?

BOHM: Bem, penso que é preciso um grau mais alto de energia. Veja, é algo semelhante à transformação do átomo. No começo, eles transformavam apenas alguns átomos, poderíamos chamar isso de transformação em germe — a transformação do átomo, como você sabe, e depois isso se espalhou como um incêndio e se tornou... uma grande força e uma reação em cadeia. O in­divíduo que percebe isso [esse princípio referente à energia interior e à inte­ligência] pode ser comparado àquele que descobriu a transformação do áto­mo. Em princípio, ele já transformou a humanidade, mas isso ainda não acon­teceu, certo?

WEBER: É uma coisa difícil de entender. Poderia falar um pouco mais sobre isso?

BOHM: Veja, é necessária uma energia ainda mais elevada para se atingir o todo da consciência da humanidade. Mas ele atingiu o princípio da consciên­cia da humanidade, concorda?

WEBER: Mas, na realidade, não apenas na teoria.

BOHM: Na realidade. Mas ele ainda não tem a plena energia para atingir o todo, para desencadear o processo. É um pouco desanimador.

WEBER: Porquê?

BOHM: Ele está encharcado, devido á poluição das eras.

WEBER: Você quer dizer que ele está excessivamente pesado.

BOHM: Está excessivamente pesado devido a essa poluição maciça que vem ocorrendo ao longo das eras. Mas essa poluição pode ser consumida. Para esse indivíduo ela foi consumida. A questão é: precisamos de uma energia ainda mais intensa do que aquela que o indivíduo pode oferecer. Ora, de onde virá essa energia? O que eu proponho é que isso é possível agora, para vários indivíduos que estejam em íntimo relacionamento, e que passaram por isso e podem confiar uns nos outros para estabelecer uma mente-única de todo esse conjunto de in­divíduos. Em outras palavras, proponho que essa consciência seja una, que aja como uma consciência única. Se você tivesse dez pessoas, ou uma centena, que pudesse realmente permanecer assim, teriam um poder que ultrapassaria imen­samente o indivíduo.

WEBER: Porque não é um poder adicionável matematicamente.

BOHM: Não.

WEBER: É um tipo completamente diverso de intensificação.

BOHM: Uma intensificação vigorosa, sim. E eu penso que isso começaria a inflamar, realmente, toda essa consciência da humanidade. Teria esse efeito. Até mesmo um homem como Hitler, que tinha uma grande paixão, tinha um efeito tremendo, embora para a destruição. Se houvesse dez pessoas com a paixão de Hitler, todos trabalhando juntos, ninguém poderia resistir a eles.

WEBER: Seria uma espécie de ressonância simpática.

BOHM: Bem, eu não usaria essa analogia. Deixe-me acrescentar que Hitler estava, naturalmente, apenas contribuindo para a poluição, pois ele e as pessoas em geral eram ignorantes quanto ao que se acha envolvido nisso. É algo muito além de qualquer coisa que conhecemos. Estou apenas dizendo que sob esse ân­gulo, a consciência, no fundo, é una, o todo da humanidade. Mas então qualquer parte da humanidade pode estabelecer uma unicidade dentro dessa parte da consciência. E se dez pessoas podem ter sua parte de consciência unificada, essa é uma energia que começa a se difundir no todo.

WEBER: E transformá-lo; é compelida a mudar alguma coisa nele.

BOHM: Sim. Alguma coisa nele — ou talvez profundamente.

WEBER: Profundamente. Desse modo, você está dizendo que antes de che­garmos a essa atual situação onde ficamos cientes da centralidade da consciência, o que estivemos tentando fazer é algo sem esperança, pois temos nos devotado a pequenos problemas sociais, todos eles no domínio errado, por assim dizer.

BOHM: Sim, na verdade por não nos dirigirmos, em absoluto, à sua fonte.

WEBER: Por não nos dirigirmos à sua fonte. E, portanto, não pareceria decorrer daí que não se trata mais de uma questão referente àquilo que os an­tigos chamavam “a procura de minha própria salvação” mas de algo que envolve muito mais responsabilidade para com o restante da humanidade?

BOHM: A salvação individual tem, efetivamente, muito pouco significado, porque, como assinalei, a consciência da humanidade é una e não é, na verdade, di­visível. Cada pessoa tem uma espécie de responsabilidade; entretanto, não no sentido que lhe cabe “responder por” [answerability], ou de culpa. Mas no sentido de que não há, realmente, nada mais a fazer, como vê. No sentido de que não há outra saída. De fato, é isso o que tem de ser feito. Fora isso, nada mais pode funcionar.

WEBER: Devido à própria maneira como você analisou as conexões?

BOHM: Você pode ver que essa concepção pode estar totalmente errada, mas se o que eu disse está correto, então nada mais é possível exceto isso.

WEBER: Bem, é uma visão do mundo bastante desafiadora.

BOHM: Sim. Dizemos que o germe está no não-manifesto. E emergindo dele, como vê, surge o problema do manifesto. Penso que discutimos o exem­plo do carvalho que cresce na Califórnia e que nunca perde sua folhagem. As folhas estão continuamente se formando e, ao mesmo tempo, algumas estão caindo, de modo que a árvore conserva uma aparência inalterável. Mas é a partir do não-ma­nifesto que a árvore está continuamente se formando e em direção ao não-manifesto que ela está morrendo. E portanto você não entenderá a árvore, se consi­derá-la como um objeto estático ou mais ou menos estático, que acaba de se ma­nifestar, neste momento, aos nossos conceitos.

WEBER: Você quer dizer que para se entender a árvore tem-se de enten­der que uma parte, ou mais de uma parte, daquilo que você vê é algo que você não vê, e que dá origem ao que você vê?

BOHM: Está certo. O que é manifesto, o que você pode ver e tocar, e assim por diante, é o resultado daquilo que não é manifesto. E, obviamente, a nutrição da árvore e outras coisas, que são necessárias à maneira como ela se manifesta, baseiam-se no modo como ela está sendo continuamente mantida ou não mantida.

WEBER: E, como você disse, o carvalho vivo proporcionou um tão bom exemplo devido ao fato de que ele morre e se auto-renova...

BOHM: Durante o tempo todo! Ao passo que na árvore cujas folhas caem anualmente você observa uma alternação temporal. Veja, parece que temos o pe­ríodo de quietude, quando todas as folhas estão mortas, e depois todas elas res­surgem e então se retiram e morrem novamente. Ora, o carvalho vivo é um exem­plo de algo que, numa observação superficial, parece sempre quase a mesma coisa, e onde, todavia, o morrer e o renascer seguem constantemente lado a lado. In­terpenetrando as folhas que estão morrendo acham-se as folhas que estão sen­do geradas.

WEBER: Desse modo, criação e dissolução e criação coexistem nesse car­valho vivo.

 

SEGUNDA SESSÃO

 

WEBER: Conversávamos a respeito dessa intensificação de energia, dessa montagem de energias. Mas penso que não tivemos tempo suficiente para decifrar isso com clareza. Seria possível?

BOHM: Decifrar o quê?

WEBER: Você falava sobre a intensificação da energia, uma intensificação tal que realmente mudaria a mente una da humanidade quando um grupo estivesse unido e em harmonia, e quando ele realmente entendesse que as raízes de seus problemas residem nesse não-manifesto.. .

BOHM: Sim. Dizemos que o germe está no não-manifesto. E emergindo dele, como vê, surge o problema do manifesto. Penso que discutimos o exem­plo do carvalho que cresce na Califórnia e que nunca perde sua folhagem. As folhas estão continuamente se formando e, ao mesmo tempo, algumas estão caindo, de modo que a árvore conserva uma aparência inalterável. Mas é a partir do não-ma­nifesto que a árvore está continuamente se formando e em direção ao não-manifesto que ela está morrendo. E portanto você não entenderá a árvore, se consi­derá-la como um objeto estático ou mais ou menos estático, que acaba de se ma­nifestar, neste momento, aos nossos conceitos.

WEBER: Você quer dizer que para se entender a árvore tem-se de enten­der que uma parte, ou mais de uma parte, daquilo que você vê é algo que você não vê, e que dá origem ao que você vê?

BOHM: Está certo. O que é manifesto, o que você pode ver e tocar, e assim por diante, é o resultado daquilo que não é manifesto. E, obviamente, a nutrição da árvore e outras coisas, que são necessárias à maneira como ela se manifesta, baseiam-se no modo como ela está sendo continuamente mantida ou não mantida.

WEBER: E, como você disse, o carvalho vivo proporcionou um tão bom exemplo devido ao fato de que ele morre e se auto-renova...

BOHM: Durante o tempo todo! Ao passo que na árvore cujas folhas caem anualmente você observa uma alternação temporal. Veja, parece que temos o pe­ríodo de quietude, quando todas as folhas estão mortas, e depois todas elas res­surgem e então se retiram e morrem novamente. Ora, o carvalho vivo é um exem­plo de algo que, numa observação superficial, parece sempre quase a mesma coisa, e onde, todavia, o morrer e o renascer seguem constantemente lado a lado. In­terpenetrando as folhas que estão morrendo acham-se as folhas que estão sen­do geradas.

WEBER: Desse modo, criação e dissolução e criação coexistem nesse car­valho vivo.

BOHM: Sim. Sim.

WEBER: Isso traz à luz outra questão que pode não ter ficado plenamente esclarecida. Você disse que a fonte dos objetos e também da raiz do conflito de pensamentos reside no não-manifesto, e isso deu a impressão de que o não-mani­festo é a matriz do que poderíamos chamar de problemas. É também a fonte da compaixão e do amor? Ou isso vem de outra parte?

BOHM: Não. Veja, qualquer coisa que se possa colocar dentro do pensa­mento é limitada. O não-manifesto é muito maior que o manifesto, mas ainda se acha relacionado com o manifesto e os dois juntos se completam; mas eu di­ria que compaixão, amor, inteligência e insight estão além deles.

WEBER: Naquilo que, antes, você chamou de espírito ou de algo que não se pode nomear?

BOHM: Sim.

WEBER: Isso faz parecer que os assim chamados fatores negativos residem apenas nesse não-manifesto. Há nisso algo positivo?

BOHM: Sim. Pois você percebe que se fosse perguntar a respeito de uma árvore que está vivendo, que emerge do solo para o ar, cuja matriz é a água, a luz do sol... há uma energia não-manifesta a partir da qual ela emerge. Mas essa não é a verdade última sobre a qual estivemos falando. Certo? Essa árvore pode estar doente ou sadia, e somente podemos saber se está doente ou sadia por in­termédio do não-manifesto. Se você vai cuidar da árvore, tem de levar em consi­deração todo esse movimento invisível de sua nutrição, de sua luz, você sabe, de tudo o que está ocorrendo com ela.

WEBER: Portanto, nesse sentido, sua nutrição, seus fatores nutritivos, tam­bém emergem desse não-manifesto, e não apenas os problemas.

BOHM: Sim. Está certo. Diremos que a matéria física tem sua raiz no não-manifesto. E também que o pensamento tem sua raiz em alguma consciência não-manifesta. Mas tudo isso é ainda limitado.

WEBER: Mas é essa a melhor caracterização, se é que é necessário lhe dar uma caracterização?

BOHM: Qual?

WEBER: A de ser limitada. Não destrutiva, necessariamente.

BOHM: Não, absolutamente. É apenas quando se encaminha para a desor­dem que ela se torna destrutiva, como vê.

WEBER: Talvez seja esta a minha pergunta: Ela é ordenada?

BOHM: Sim. Dizemos que a natureza viva é ordenada. É manifestação e é também processo não-manifesto. E, naturalmente, a vida pode sair fora da ordem. Estamos perguntando se a vida da mente é ordenada. Em geral, ela se tornou desordenada. Da mesma maneira como ocorre no corpo, onde as cé­lulas podem crescer harmoniosamente, ou você pode ter um câncer, que é o crescimento independente. A desordem surge quando todos os diferentes ele­mentos crescem caótica e independentemente uns dos outros, isto é, não tra­balham juntos. Ora, no câncer isso começou a acontecer. E você poderia dizer que nosso processo de pensamento é um tanto semelhante a um crescimento canceroso.

WEBER: Mas quando o processo de pensamento é ordenado, e tem seu lugar - nada usurpa qualquer outro elemento - então a fonte dessa ordem está no pensamento não-manifesto.

BOHM: Está certo. Sim. E, no final das contas, talvez esteja além dele. Mas é ainda a consciência não-manifesta que dará origem ao pensamento.

A dificuldade agora é que o pensamento se tornou automovente. Ele pro­porciona estímulo ao seu próprio movimento, que é desordenado.

WEBER: Para relacionar isso ao mundo holográfico, você diria que há duas interpretações possíveis, decorrentes de tudo o que precede: Você diria que o mundo ou o universo é um hológrafo...?

BOHM: Sim. Chame-o de holomovimento, porque a palavra “grafia” é de­masiado estática. É aquilo que foi escrito, certo?

WEBER: Certo. Há um holomovimento que olha para si mesmo? Ou há dois - há uma consciência holográfica olhando para um holomovimento que é então dualista?

BOHM: Bem, penso que a consciência é parte do todo. Agora, temos o todo da natureza e dentro dela existimos e também estamos; o todo está em cada parte e a consciência também pertence a essa natureza. Por outro lado, a cons­ciência, como Krishnamurti discutia ontem, pode ser o instrumento de uma in­teligência que está além de tudo isso. Ou seja, se é automovente então será de­sordenada. Mas quando não é automovente, então pode ser ordenada. Ora, penso que deveríamos dizer que a consciência é um processo material se dizemos que consciência é pensamento, sentimento, desejo e vontade, e vários outros fato­res de natureza similar. E então teríamos de dizer que a consciência é um pro­cesso material, mais sutil que os processos materiais comuns, que abordamos com nossos sentidos ou com nossos instrumentos científicos.

WEBER: Sim. Mas agora, como você completaria a explicação disso em termos do holomovimento, do universo?

BOHM: Eu disse que o holomovimento é um termo indefinível. Em matemá­tica, existe a noção do indefinível que, no entanto, pode tornar-se fonte de relações definíveis. Ora, o holomovimento é, fundamentalmente, um termo indefinível, que tem vários fatores ou características, tais como luz, elétrons, som, nêutrons, neutrinos, você sabe, e também pensamento, sentimento, desejo, vontade, e assim por diante. E, necessariamente, não podemos reduzir nenhum desses fatores a qualquer um dos outros, embora todos eles estejam inter-relacionados. Certo?

WEBER: Sim. Mas agora voltemos a essa questão: O que torna a consciên­cia possível nisso? Quero dizer, há dois modelos, não é isso? O antigo modelo diria — mesmo usando sua nova terminologia — que se trata da mente/cérebro holográfica olhando para o holomovimento. E você está dizendo alguma coisa mais.

BOHM: Bem, Isso levaria a uma regressão infinita. Pois então teria de haver um outro e mais um outro holomovimento. Digamos que o holomovimento B olhou para o holomovimento A, mas o holomovimento C teria de olhar para o holomovimento B, e assim por diante, certo? Veja, você diz que o holomovi­mento B está olhando para o holomovimento A; desse modo, você aplica isso de novo, uma vez que o holomovimento C está olhando para o holomovimen­to B olhando para o holomovimento A.

WEBER: Por quê?

BOHM; Bem, se você diz que o holomovimento B olha para o holomovi­mento A, você já está implicitamente fora do holomovimento B olhando para ele. Desse modo, sua consciência já é o holomovimento C.

WEBER:.Sim. Para descrevê-lo, para afirmar isso. Para ser capaz de de­clarar isso.

BOHM: Sim. Para afirmar que há um holomovimento B, você deve ter o holomovimento C na sua consciência. Então, você imediatamente reflete sobre isso e diz: “Esse é o holomovimento C”, mas já é o holomovimento D que está fazendo isso, certo?

WEBER: Que era o velho modelo cartesiano e dualista.

BOHM: Certo. 0e também leva à regressão infinita, a menos que você ponha um fim a ela por meio de Deus ou interrompendo-a em algum lugar.

Agora, penso que chegamos num ponto onde estamos levantando uma ques­tão semelhante àquela que abordamos na discussão de ontem. Por quanto tem­po podemos prosseguir na tentativa de falar sobre o que está além do pensamen­to por meio de uma construção intelectual? Veja, porque quando fazemos essa construção intelectual temos um conteúdo e sempre subentendemos que aquele que a está construindo também se acha além desse conteúdo. Desse modo, ele se evade da própria coisa na qual tentamos incluí-lo e nessa própria tentativa ele se evade. E, desse modo, parece que há algum limite para o quão longe você pode ir nesse processo, nessa abordagem. Portanto, é melhor dizer que nessa abor­dagem, na qual tentamos fazer um mapa, ou algum tipo de esboço do que é a realidade, estamos realmente lidando com alguma coisa limitada. Korzybski cos­tumava dizer: “Tudo aquilo que afirmamos que é, não é.”

WEBER: O mapa não é o território...

BOHM: Está certo. Sim. E, portanto, o que estamos fazendo é construir mapas, construir esboços, construir conceitos. E, veja bem, é por isso que eu disse na noite passada que a ciência, por exemplo, a ciência teórica, não está basica­mente preocupada em observar coisas mas em observar idéias. As pessoas pen­sam que ao dizer que as idéias são um mero complemento, um mero acessório das coisas que elas observam, estão evitando dar excessiva importância às idéias, e assim por diante; que estão evitando o idealismo. Mas, na verdade, estão é atri­buindo às idéias importância extrema ao fazer isso, porque estão dizendo que as idéias com as quais examinam as coisas são verdadeiras ou então são apenas ficções. E se são verdadeiras, então tudo bem. Portanto, a idéia com a qual você final­mente examina essa realidade material nunca é questionável. Se você a questiona, você apenas o faz utilizando-se de uma outra idéia, certo?

WEBER: Que precisa ser atestada.

BOHM: Correto. Ou que se acha implicitamente atestada, de modo que a idéia final com a qual você está fazendo tudo isso seja verdadeira. Portanto, a tentativa de dizer que você está lidando apenas com a realidade material força você a pôr as idéias no domínio que fica além da realidade material, e portanto do valor de verdade. E isso é autofraude. Portanto, digo que o pragmatismo não é na realidade pragmático, pois ele não encara suas idéias pragmaticamente. Ele aceita suas idéias de modo não-pragmático, sem absolutamente nenhuma base pragmática, como sendo verdadeiras. Ou então ele as rejeita completamente -novamente sem base pragmática.

WEBER: Em outras palavras, ele não deu o último passo. Não compreen­deu que o valor corrente que está usando não é, em absoluto, necessariamente pragmático?

BOHM: Não, mas o problema é que é pragmático. É pragmático, embora ele não o trate pragmaticamente. Ele o trata como algo que está fora de cogita­ção, além de qualquer disputa, que simplesmente deve ser aceito como verdade. Ele não está encarando as idéias como processos materiais. Está dizendo que as idéias ou são ficções da imaginação ou são, em si mesmas, verdade e realidade. A seguir, ele diz que descarta as idéias que são ficções, e quanto àquelas que são verdade e realidade, ele diz que com elas tudo bem, que é a maneira como o mun­do é. Por um lado, ele não está dando às idéias importância absolutamente ne­nhuma, e por outro lado ele, num salto, lhes dá uma importância suprema.

WEBER: Sua própria metodologia, por exemplo.

BOHM: Sim. Está certo. E ele pretende que tudo isso está provindo da ma­téria. Mas toda essa maneira de olhar para isso não provém da matéria que está observando. É simplesmente a maneira que surgiu, historicamente, devido ao longo processo de condicionamento. Ora, estávamos discutindo na noite passada que poderíamos dizer que as idéias são processos materiais que crescem de uma se­mente. Veja, a palavra “idéia” é baseada numa palavra grega que, basicamente, significa “ver”, mas que também inclui a idéia de “imagem” - a noção de “ima­gem”, que não é ver, certo? A imagem é uma imitação da visão.

WEBER: Embora isso viesse mais tarde, você não acha?

BOHM: Sim. Surgiu posteriormente. Está certo.

WEBER: Platão queria que ideein representasse recepção direta, visão direta.

BOHM: Mas eidòlon é imagem, que vem da mesma raiz. Portanto, há a percepção e há a imagem da percepção. Agora, a imagem da percepção não é a per­cepção. Certo?

WEBER: Exatamente.[1]

BOHM: Mas pode ser confundida com a percepção, pode ser tratada como percepção. Agora, se considerarmos uma idéia, a percepção cresce a partir de uma semente na ordem não-manifesta e desdobra-se da mesma maneira que a se­mente cresce na ordem manifesta. Quando aplicamos a idéia, ela está sendo rea­lizada. Está se desdobrando, crescendo, morrendo, e assim por diante. Que es­pécie de resultado ou planta essa idéia produz? Produzirá algo que seja harmo­nioso e ordenado ou, em palavras mais cruas, será uma planta útil ou uma erva daninha? Pode-se dizer que nosso cérebro é hoje, em sua maior parte, um cam­po de ervas daninhas. Mas não encaramos isso, em absoluto. Não dizemos que isso é material. Dizemos que, seja lá o que for, é nosso equipamento, é aquilo com o qual trabalhamos, é aquilo de onde partimos. E colocamos nele várias prescrições, várias restrições — deveremos pensar desta maneira ou daquela maneira. Mas não questionamos que essas proibições são também idéias. E ago­ra, o que estou dizendo é: Olhe para as idéias — cada idéia tem de ser encara­da apenas pelo que ela é: O que ela é e o que ela faz? Portanto, encaremos nos­sas idéias pragmaticamente, pois a principal função do teórico é trabalhar pragma­ticamente com as idéias.

WEBER: O que, no momento, não é ainda levado em consideração.

BOHM: Sim. Bem, em vez de dizer que elas são a verdade ou que não são, uma vez que você tenha a idéia correta, que foi checada por um experimento, essa é a verdade. Estou dizendo que uma idéia é um instrumento pragmático...

WEBER: Para quê?

BOHM: Para agarrar alguma realidade mais ampla. E, sem uma idéia, você não pode fazer isso.

WEBER: Mas você está dizendo que a idéia não é apenas o veículo ou o instrumento, como uma pá por meio da qual escavo um punhado de realidade, ela própria é...

BOHM: Real.

WEBER: Real. E por isso constitui tanto os dados como o assim chamado conteúdo.

BOHM: Certo. Você deve olhar para a idéia tanto quanto você olha para a coisa que ela escava.

WEBER: Exatamente. Ela não é privilegiada e isenta...

BOHM: Não.

WEBER: ... E inquestionável.

BOHM: Não. Deve ser tratada tão pragmaticamente quanto os próprios dados.

WEBER: Você está dizendo que são dados.

BOHM: São dados. Sim. A idéia é um instrumento de trabalho que, de al­guma forma, traz para perto de nós uma certa parte da realidade, ou até mesmo ajuda a determinar a realidade. E a realidade do homem é inteiramente mode­lada por idéias. A realidade natural vai além de qualquer idéia humana, mas o quanto dela nós podemos trazer para o nosso mundo depende de nossas idéias. Desse modo, podemos perder completamente a realidade natural porque nossas idéias não a trazem até nós. Portanto, eis a questão: as idéias têm de ser encara­das pragmaticamente. Ora, há um limite para aquilo que qualquer idéia pode escavar, se você quer se expressar dessa maneira. E uma tentativa para dizer que podemos formar uma idéia que manipula tudo só levará ao caos. Mesmo essa idéia da ordem implicada, do não-manifesto e assim por diante, tem um certo limite. Ela efetuará um certo contacto com a realidade até algum limite vaga­mente definido. Porém, não apreenderá o todo.

WEBER: Sim, devido à própria natureza do pensamento. Penso que nos antecipamos um pouco na conversa. Dissemos isso. Mas uma vez reconhecido isso, também não seria verdadeiro o fato de que, se eu aceito o que você está dizendo, todo o universo é um holomovimento. ..

BOHM: Bem, isso é apenas uma idéia, como vê. Estou dizendo que nossa idéia — nós a chamaremos de universo do discurso em termos do holomovimento — é limitada. O que o universo realmente é, é indizível, certo?

WEBER: Sim. Tudo bem. Penso que a razão pela qual isso se mostrou im­portante, pelo menos em nossa discussão, foi o fato de que essa idéia está rela­cionada com a noção de não-dualismo, que já elimina uma dessas idéias que a humanidade carregou consigo, em seu próprio detrimento, durante séculos, e não mais tomará como comprovada a questão do observador versus coisa obser­vada, e portanto a questão do tempo (sobre a qual, incidentalmente, penso que deveríamos dizer algumas coisas mais tarde. Você falou um pouco a respeito disso, mas não nos aprofundamos). Mas, voltando ao tópico em que estávamos, o que você está enfatizando é que o próprio holomovimento é uma idéia limitada? De­vido ao fato de que a totalidade é inexprimível?

BOHM: Sim. O que estamos dizendo é que essas idéias (sobre o holomo­vimento) têm uma capacidade muito maior para lidar com a nossa realidade, penso eu, que as outras idéias que temos, mas temos de notar que essas idéias também são limitadas. Veja, estamos a caminho de adquirir algum tipo de idéia para lidar com a realidade, e as idéias que temos agora são um caos total. Elas podem pro­porcionar algum progresso técnico, mas em geral levam ao caos. Penso que essa idéia é mais harmoniosa, concorda melhor com aquilo que existe e, na verdade, junta as coisas harmoniosamente.

WEBER: Você está dizendo que essa idéia levaria a menos caos? Mesmo que ela tenha ainda a limitação de todas as idéias?

BOHM: Se você considerasse que ela é ilimitada, acabaria, provavelmente, sendo levada a tanto caos quanto antes, mas essa idéia, como vê, contém dentro de si a idéia de que ela é limitada, ao passo que a antiga idéia contém implicita­mente a idéia de que, uma vez que você teve a idéia correia, está tudo bem. Por­tanto, a velha idéia a encoraja, de todas as maneiras, em direção ao caos.

WEBER: Sejamos claros: ela é limitada quando posta em contraste com aquilo acerca do qual nada pode ser dito.

BOHM: Sim. Bem, ela é limitada porque é uma idéia. Veja, toda idéia é limitada e pode abarcar algum aspecto ou fator limitado da realidade. Ora, estamos considerando a natureza das idéias, olhando para elas tanto pragmá­tica como teoricamente, da mesma maneira como olharíamos para qualquer outra coisa. Estamos dizendo: idéias não são coisas que devam ser isentadas de toda a abordagem científica. Não são coisas sagradas que ou são verdadei­ras ou não são absolutamente nada. Todas as idéias são limitadas e devemos considerar todas elas. Algumas têm esta vantagem, outras têm aquela, algumas têm muito pouco valor e assim por diante, e não existe nenhuma idéia defini­tiva. Mas podemos considerar todas essas idéias, a maneira pela qual elas se re­lacionam ou não se relacionam, e assim por diante. Estamos apenas olhando para as idéias, como vê, assim como olhamos para o mundo como um todo. Nossa mente abriga uma coleção ou um agregado de idéias que está sempre mudando.

WEBER: Ou nossa mente é isso.

BOHM: É isso, sim. E é aquilo para o qual podemos olhar, assim como olha­mos para as coisas que vemos ao nosso redor.

WEBER: O tempo entra nessa questão das idéias?

BOHM: Vamos discutir o tempo. O tempo é algo que nossas idéias atuais não abarcam muito bem. Agora veja, uma das dificuldades básicas com a atual noção de tempo está contida no paradoxo de Zenão. Em primeiro lugar, ele não lida com o movimento. Se você tem uma série de fotogramas para a câmara cine­matográfica, isto não é a mesma coisa que movimento. Uma coisa está aqui e não está se movendo, certo? E o fato de vê-la saltar daqui para cá, de um ponto para o mesmo ponto, não é movimento. De um modo mais geral, você pode olhar dessa maneira o problema do tempo: digamos que, considerando o momento presente, nós temos o passado, que se supõe estar atrás de nós, mas o passado está efetiva-mente presente em nós sob a forma de memória, e o futuro também é projetado a partir do presente. É realmente uma resposta da memória. Ora, se dizemos que o passado, por conseguinte, não existe realmente como tal, e que tampouco existe o futuro, e se o presente é a linha divisória entre ambos, ele também não pode existir. Portanto, alguma coisa está errada. Devemos dizer que nem o passado, nem o presente e nem o futuro existem, na medida em que é o pensamento atual que olha para eles, e que eles realmente não são nada mais que uma abstração. Portanto, se queremos partir do holomovimento, podemos dizer que o tempo, em seu todo, está em cada momento, e uma das características básicas do tem­po é essa seqüência por meio da qual emerge um movimento posterior que con­tém os movimentos anteriores em seu passado, mas não em qualquer outra via alternativa. Há, portanto, uma seqüência natural, como essa série de caixas chi­nesas que se ajustam umas dentro das outras. E o momento presente poderia ser assimilado à caixa que contém todos esses momentos prévios como seu con­teúdo, isto é, o conteúdo do pensamento. Poderíamos também dizer que qual­quer conhecimento contido no presente é conhecimento a respeito do passado. Como vê, parece que o presente não conhece a si mesmo.

WEBER: Devido a esse retardamento.

BOHM: Sim, leva tempo para ser gravado e tornar-se parte do pensamen­to e do conhecimento. Assim, o presente não conhece a si mesmo, mas podería­mos dizer que ele conhece seu passado, de modo que há uma relação: cada mo­mento tem seu passado e seu futuro. Agora, se tentarmos, a partir do passado e no presente, predizer o futuro, o que estaremos tentando predizer é o passado do futuro, certo? Em outras palavras, o conhecimento que existirá em algum mo­mento futuro. Desse modo, dizemos que, conhecendo o que conhecemos no pre­sente, predizemos que no futuro seremos capazes de conhecer tais e tais coisas. Portanto, o presente é, por assim dizer, não-especificável, indescritível. Uma das características básicas da matéria é a recorrência ou, ainda com maior regulari­dade, a periodicidade. E se há uma tendência recorrente no desenvolvimento, então podemos dizer que, embora não conheçamos o presente e o futuro ime­diato, ele é recorrente o bastante para que possamos estar satisfatoriamente con­fiantes nele, com base no passado. Ora, esse é o tipo de situação para a qual se dirige nossa tecnologia ou nosso conhecimento científicos, dizendo que a estru­tura do holomovimento é tal que se mostra satisfatoriamente recorrente, e que, em conseqüência disso, embora possam ocorrer surpresas, podemos obter algum conhecimento satisfatoriamente confiável, mas nada de absolutamente certo. Isto é, não há possibilidade de uma previsão ou controle absolutamente certos, porque há sempre algo mais; há sempre contingência. Não há necessidade abso­luta em nosso conhecimento.

WEBER: Isso é Hume.

BOHM: Sim. Contudo, dizemos que a própria estrutura do holomovimento é recorrência; não dizemos que a mente humana somente contribui para essa re­gularidade ou recorrência, mas a própria estrutura do holomovimento é tal que contém essa característica da recorrência. De outra forma, nosso pensamento sobre a recorrência não teria, em absoluto, valor algum. Como vê, a idéia de re­corrência encontra-se com o fato de que a recorrência é comum na matéria: a recorrência das estações, a recorrência contínua no carvalho vivo, que revela o fato de que, embora tudo esteja mudando, o padrão geral recorre repetidas vezes. Há, desse modo, a idéia de recorrência que, de algum modo, encontra-se com um fato de recorrência na matéria, justamente no holomovimento. E é essa a nossa idéia.

WEBER: Mas nossa idéia foi encorajada a sustentar isso, pois, como você diz, ela o encontra no holomovimento.

BOHM: Encontra-o até certo ponto, mas, uma vez que o holomovimento é infinito, ele prossegue para além de quaisquer limites. Portanto, a idéia nem sempre o encontra. Pode haver alguma coisa nova aí.

WEBER: E é isso o que não conseguimos apreender. Excluímos isso, nos fechamos a isso.

BOHM: Sim. E desse modo dizemos que, embora possamos esperar razoavel­mente um bocado de recorrência, a mente está sempre aberta, e não insiste nisso como uma necessidade absoluta. E, portanto, a mente está sempre aberta para dizer que não houve a recorrência. Vejamos isso novamente.

WEBER: Podemos focalizar uma noção ligeiramente diferente, mas relacio­nada? No holomovimento, se eu o entendo, você disse que o todo está contido em cada parte, e isso aplica-se tanto ao assim chamado espaço, certo, “o mundo num grão de areia”, como também ao assim chamado tempo, a atemporalidade de um dado momento. Falamos um pouco disso antes a respeito do espaço. Você poderia agora dizer alguma coisa sobre isso em termos de tempo?

BOHM: Antes de mais nada, você pode ver que na memória temos o pas­sado contido no presente, certo? É um exemplo do holomovimento. E agora, você também tem isso no movimento que está se processando: se você pensar sobre a luz que chega a qualquer local determinado, verá que ela contém obvia­mente todo o passado daquelas ondas que vieram de todas as partes para atingir esse local. E ela contém alguma implicação a respeito do futuro, embora não contenha uma implicação completa. Você vê que, embora ela implique o todo, não fornece detalhes completos sobre ele. Em outras palavras, diz respeito ao todo. O holomovimento de cada parte diz respeito ao todo, refere-se ao todo. Mas nenhuma parte contém todos os detalhes do todo. Portanto, não nos dá uma visão completa do passado nem do futuro.

WEBER: Mas você diz que ela o implica.

BOHM: Sim. Implica-o e refere-se a ele. Assim como o holograma parcial refe­re-se ao todo, mas exibirá menos detalhes e será de menos uso. Desse modo, você te­rá de dizer que as informações contidas na parte não cobrem o todo completamente.

WEBER: Mas o que significa dizer que ela o implica? Dá informações a respeito dele?

BOHM: Sim. Bem, dá um certo número de informações, da mesma maneira que se você iluminar uma parte de um holograma, obterá informações a respeito do todo, e não a respeito de alguma parte do objeto. Além disso, não obterá as informações totais. Será algo um tanto vago.

WEBER: O que isso significa para nós enquanto conhecedores ou consciên­cias? Dadas essas características, como deveríamos interagir inteligentemente com o holomovimento?

BOHM: Veja, somos parte do holomovimento; não podemos interagir com ele. A própria consciência é, nessa concepção, uma característica do holomovi­mento. Lembre-se, sempre, de que essa é uma idéia a respeito desse assunto todo, certo? Dizemos que a consciência é uma característica do holomovimento, e por­tanto o conteúdo da consciência refere-se ao todo do holomovimento.

WEBER: Não está lá olhando para ele. Está alojado nele.

BOHM: Tem uma certa semelhança com Leibniz, se é isto o que você quer dizer: cada mônada refere-se ao todo mas com diferentes graus de completeza e perfeição.

WEBER: Espelha-o, diz ele.

BOHM: Espelha-o. Eu preferiria dizer “refere-se a”. Poderia dizer que o espelha, mas vamos dizer que ele se refere ao todo no sentido de que não é apenas capaz de espelhá-lo mas também de se mover em direção a ele, e de apreendê-lo.

WEBER: É mais ativo.

BOHM: É mais ativo. Sim.

WEBER: Mas quando o apreende: (isso é apenas outra maneira de dizer o que eu já disse antes, em palavras mais cruas, dualisticamente, foi o que eu disse) quando o apreende, trata-se daquilo que costumávamos chamar de conhecimen­to ou de consciência. É uma parte ativa, certo?

BOHM: Sim. Bem, o próprio conhecimento é também o registro de tudo isso, incluindo as habilidades que foram deixadas na pessoa que o acolhe e o exe­cuta. Mas, veja bem, o movimento total do conhecimento é conhecimento en­quanto holomovimento. Ou seja, o conhecimento é parte do holomovimento.

WEBER: somente o holomovimento no domínio do dizível, isto é, do exprimível em palavras.

BOHM: Correto. Sim. Nesse universo do discurso, o holomovimento é tudo o que há. Isso, no entanto, não significa que ele é tudo o que há.

WEBER: Compreendo. Há o que antes chamamos de espírito ou de como quer que queiramos chamá-lo.

BOHM: Pode chamá-lo de verdade ou...

WEBER: Alguma coisa... além.

BOHM: Além, certo.

WEBER: E depois você disse que poderia ser - que ele poderia se matizar infinitamente em muitos outros de tais domínios...

BOHM: Sim.

WEBER: ... acerca dos quais nada podemos dizer.

BOHM: Sim.

WEBER: Mas posso reformular minha pergunta? Usarei a palavra “apreen­der”. Uma vez que você disse que estamos repletos de desordem, e isso se tradu­ziu num mundo perigoso e desordenado, qual é então a via mais inteligente e ordenada para esse holomovimento apreender a si próprio?

BOHM: Bem, veja você, até agora estivemos simplesmente construindo uma idéia, isto é, deixamos o holomovimento ter uma certa idéia de si mesmo, uma idéia correia de si mesmo. Essa é uma abordagem, certo?

WEBER: Na história, no decorrer de toda a história?

BOHM: Não. Isso é o que estamos fazendo agora. Veja, estamos dizendo que esse holomovimento está formando uma idéia correta de si mesmo, certo?

WEBER: Neste exato momento.

BOHM: Sim. Isso é parte do apreender, do “agarrar”. Este apreender afirma: o holomovimento concorda que a idéia do holomovimento faz parte do holomo­vimento. Ele não diz que há o holomovimento e que além deste há outra idéia do holomovimento que, de algum modo, tem de se relacionar com o holomovimento.

WEBER: Isso é muito importante. Poderia dizê-lo novamente?

BOHM: Bem, a idéia do holomovimento é parte do holomovimento. E a idéia do holomovimento também contém a idéia de que a própria idéia é parte do holomovimento.

WEBER: E, portanto, o que mais?

BOHM: E portanto considera-se que essa idéia apreende outros aspectos do holomovimento, e poder-se-ia até mesmo ir tão longe a ponto de dizer que, possivelmente, todo o holomovimento é, numa certa medida, da natureza de uma idéia, no sentido de que o não-manifesto é o germe do manifesto, ou que o ADN é o germe do organismo vivo, e assim por diante. A idéia do holomovi­mento será uma espécie de germe na consciência que é capaz de agarrar algo mais amplo. Esse germe cresce no todo, no solo da totalidade da existência, rumo a alguma coisa que também pode, por sua vez, produzir mais germes.

WEBER: Mas “apreender”?

BOHM: Significa encaixar, ajustar, agarrar. Veja, a palavra “perceber” é “percipere”. Significa segurar ou prender inteiramente, o mesmo que capturar. A palavra compreender significa pegar algo em seu todo, e muitas palavras se­melhantes surgem daí. Disciplina é a mesma palavra: significa apanhar alguma coisa mentalmente, agarrá-la, agarrá-la isoladamente, “discipere”.

WEBER: É agarrá-la como você a usa, tomar-se uno com ela?

BOHM: Bem, é mais que isso... é contatá-la de modo que ela entre, co­mo diria Piaget, num ciclo do movimento que é assimilado a um todo uno.

WEBER: Portanto, de certo modo, é tomar-se uno com ela.

BOHM: É como uma espécie de digestão, por assim dizer. De fato, costu­mamos dizer que digerimos a idéia mentalmente.

WEBER: Ela se toma parte do organismo vivo.

BOHM: Está correto. Quando você a toma como alimento, ela se torna parte do organismo vivo. Desse modo, quando você absorve alguma coisa mais, ela também se torna parte da consciência viva.

WEBER: Ela circula.

BOHM: Circula, e a consciência viva também faz parte disso. Veja, a ár­vore viva é parte do meio ambiente em seu todo, assim como este é parte da árvore.

WEBER: Isso traz à baila, se você não se importa, aquilo sobre o que con­versamos na noite passada, essa instigante idéia que você tornou tão clara. A noção de que a maioria de nós tem a idéia de que nosso próprio espaço interior cessa, é interrompido, onde nós estamos limitados. Agora você alega que isso é falso. Poderia dizer alguma coisa a respeito?

BOHM: Sim. Há dois pontos de vista com relação ao espaço. Um diz que a pele é a nossa fronteira, afirmando que há o espaço exterior e o espaço interior. O espaço interior é, obviamente, o eu separado, e o espaço exterior é o espaço que separa os eus separados, certo? E, portanto, para superar a separação, você precisa ter um processo para se movimentar através desse espaço, e isso leva tem­po. Está claro?

WEBER: É desse modo que os seres humanos, antes, sempre pensaram acer­ca disso.

BOHM: Sim. Correto. E agora, portanto, se considerarmos o ponto de vista do holomovimento, com essa vasta reserva de energia e espaço vazio, dizendo que a própria matéria é essa pequena onda no espaço vazio, então, de maneira mais adequada, poderíamos dizer que o espaço como um todo (e partimos do espaço em geral) é o solo, a base da existência, e estamos nele. Portanto, o es­paço não nos separa, ele nos une. É como se disséssemos que há dois pontos se­parados e que uma certa linha pontilhada os conecta, o que mostra a maneira como pensamos que eles estão relacionados, ou então que há uma linha real e que os pontos são abstrações que resultam dela.

WEBER: Demarcamos as fronteiras da linha.

BOHM: Sim.

WEBER: Portanto, é a outra via alternativa.

BOHM: Certo. A linha é a realidade e os pontos são abstrações. Nesse sentido, dizemos que não há pessoas separadas, como vê, mas que isso é uma abstração que surge ao se considerar certas características como separadas e auto-existentes,

WEBER: Penso que, no outro dia, você deu até mesmo um passo além com re­lação a isso. Você disse que, onde quer que previamente tenhamos pensado situar-se o espaço vazio e onde não estamos,esse é o único lugar onde,de fato, “nós” estamos.

BOHM: Bem, essa seria a base não-manifesta da nossa existência.

WEBER: Que você diz que é não-material.

BOHM: Bem, é matéria em seu...

WEBER: Em seu estado sutil?

BOHM: É matéria sutil mas, além dela, naturalmente, há mais, e por isso temos, enfim, de dizer que a base última está além de qualquer coisa que pos­samos chamar de matéria. Mas há esse estado muito mais sutil. Podemos fazer duas coisas. Uma é estender a noção de sutileza da matéria, que é o que estamos fazendo agora. Penso que o universo do discurso só pode ser o universo da ma­téria. Esse é o único conteúdo razoável do universo do discurso. A tentativa de fazer com que o espírito seja parte do universo do discurso não funcionará.

WEBER: Exceto para dizer que há algo que o universo do discurso, en­quanto matéria, não exaure.

BOHM: Não exaure a totalidade. Isso é tudo quanto à matéria. Mas tendo dito isso, deixamos depois isso de lado.

WEBER: Haveria no holomovimento um novo caminho análogo para olhar aquilo a que chamamos “tempo” com relação a outras pessoas, da maneira que você acaba de descrever a respeito das fronteiras do espaço?

BOHM: Bem, sim. Penso que poderíamos considerar um intervalo de tem­po e dizer que os dois momentos são reais e que o tempo entre eles é uma abstração, ou dizer que o holomovimento é a realidade e que os momentos são abstrações. Você sabe, os momentos que dão início e fim a esse intervalo de tempo.

WEBER: Desse modo, é o intervalo entre os momentos que é real.

BOHM: Poderíamos encarar desse modo. Mas veja, se considerarmos o ponto de vista segundo o qual o espaço é que é real, então penso que temos de admitir que não é a medida do espaço que é real. A medida do espaço é o que a matéria fornece. Desse modo, o espaço vai além da medida do espaço. O mesmo acontece com o tempo. Se queremos dizer que esse intervalo é real, então a medida do tempo não pode ser considerada fundamental. Portanto, já estamos do lado de fora daquilo que ordinariamente chamaríamos de tempo. Mas se tivermos o silêncio e o vazio, não te­remos a medida nem do espaço nem do tempo. Ora, nesse silêncio, pode aparecer algo que é uma pequena ondulação, e que tem essa medida. Mas se pensamos que a pequena ondulação é tudo o que existe e que o espaço intermediário nada é, que não possui nenhuma significação, então teremos a concepção usual de fragmentação.

WEBER: Posso retroceder um passo? Quando você disse há pouco que, assim como ao considerarmos primária a linha e não os dois pontos que a limi­tam ou a definem com relação ao espaço, do mesmo modo, ao considerarmos o que chamaremos de eventos, como os pontos...

BOHM: Sim. Eventos são os pontos.

WEBER: Como a linha. Eventos são os pontos.

BOHM: Bem, é a maneira usual de falar sobre isso.

WEBER: Mas a linha, então, me parece, se você não permite que o tempo seja medido por eventos.

BOHM: Então é movimento fluente, certo?

WEBER: Bem, então, de certo modo, é silêncio. Isso pareceria a implicação...

BOHM: É apenas fluxo. Se você olhar para a natureza e dizer que nela não há evento, então, na verdade, há somente fluência. É a mente que abstrai, e põe aí um evento.

WEBER: Porém, não se conclui daí que esse fluxo ou esse silêncio não pode ser quebrado por quaisquer características distintivas, por quaisquer pro­priedades?

BOHM: Sim. Exceto que é isso o que o pensamento coloca nele, as caracte­rísticas distintivas.

WEBER: Compreendo. Mas nessa outra maneira de encará-lo...

BOHM: Pode ser, mas então temos de compreender que elas ocupam o seu lugar da mesma maneira como estamos dizendo que o pensamento o ocupa; se você conhece o lugar do pensamento, então ele não interferirá, certo? As caracte­rísticas distintivas ocupam seu lugar num certo domínio limitado da ordem ex­plicada e do manifesto.

WEBER: Mas ainda penso que, para certas pessoas, isso parecerá muito es­tranho. Em primeiro lugar, isso desafia tudo o que conhecemos ou o que nos ensinaram. Em segundo, isso parece, no mínimo, contra-intuitivo, e certamente o é para aqueles que foram treinados em ciência moderna, e em terceiro, penso que parecerá assustador ou ameaçador. Então, tentemos decifrar isso. Você diz que os eventos são sempre distinguíveis, que eles possuem características, que são aquilo que chamamos de acontecimentos, que são as coisas das quais nos apoderamos, as coisas que transpiram no mundo, aquilo de que o mundo se ocupa, por assim dizer. Esses, você está dizendo, são secundários, derivados, e menos importantes que a ausência de tudo isso. E essa ausência é, podemos chamá-la de vazio, silên­cio, sunyata, ou seja lá como for.

BOHM: No nível dessa teoria seria o holomovimento, como vê, o movi­mento fluente. Mas vai além disso. Poderíamos dizer que, até mesmo nesse nível de pensamento, há uma maneira de olhar para ele segundo a qual o vazio é o es­paço pleno da matéria, o oposto do vácuo, certo? É dessa maneira que esse nível de pensamento trata dele. E estou dizendo que aquilo que chamamos coisas que são reais constituem, na verdade, minúsculas ondulações que ocupam o seu lugar, mas que estiveram usurpando o todo, o lugar do todo.

WEBER: O vazio também não é — não entendemos por vazio uma vacuidade substantiva, como a de uma caixa “vazia”. Estamos falando sobre um espaço pleno.

BOHM: É a vacuidade que é um espaço pleno. Sim.

WEBER: Uma vacuidade que é um espaço pleno: agora, o que o espaço pleno lhe diz? O que significa?

BOHM: Veja, é uma idéia bem conhecida, ainda no âmbito da física, que se você considera um cristal que esteja á temperatura do zero absoluto, ele não espalha os elétrons lançados contra ele. Eles o atravessam como se fosse vazio. Mas logo que você eleve a temperatura e (produza) inomogeneidades, os elétrons se espalham. Ora, se você usasse esses elétrons para observar o cristal (por exem­plo, focalizando-os com uma lente eletrônica para produzir uma imagem), tudo o que você veria seriam essas pequenas inomogeneidades e você diria que são elas o que existe, e que o cristal é o que não existe. Certo? Penso que essa é uma idéia familiar, isto é, dizer que aquilo que vemos de imediato é, na verdade, uma coisa muito superficial. No entanto, o positivista costumava dizer que aquilo que vemos de imediato é tudo o que existe, ou é tudo o que conta, e que nossas idéias devem simplesmente correlacionar-se com o que vemos de imediato.

WEBER: Com base nisso, seguir-se-ia, naturalmente, que a história e todas essas multiplicidades de objetos e eventos não passam de ondulações.

BOHM: Sim. São apenas ondulações e seu significado depende da compreen­são que temos daquilo que é subjacente a essas ondulações.

WEBER: E você diz que aquilo que está por baixo das ondulações é a ver­dadeira profundidade. É aquilo que é real.

BOHM: Sim.

WEBER: E você também disse que o homem pode se adaptar para apreender essa vacuidade.

BOHM: Bem, ele não a apreende, como vê. Você não pode agarrá-la - não mais do que poderia agarrar o espaço vazio.

WEBER: Bem, então qual é a palavra que deveríamos usar?

BOHM: Penso que no presente estágio temos de dizer que isso é uma idéia e que, portanto, há um limite para o quão longe podemos ir,

WEBER: No discurso.

BOHM: Isto funciona apenas no universo do discurso, que só funciona no universo real até um certo ponto. Veja, para tomar esse vazio uma realidade na consciência do homem, como Krishnamurti dizia, a consciência deveria se esva­ziar de todas essas ondulações. Quando a mente está cheia de todas essas ondu­lações e pequenos movimentos, eles, por assim dizer, espalham a energia, e apa­rentam ser tudo o que existe. O espaço pleno que é a consciência não é visível, ou não é capaz de operar. Portanto, a noção é esta: se a consciência pode se es­vaziar de seu conteúdo, que é constituído de todas essas ondulações, então, pos­sivelmente, poderíamos dizer que esse holomovimento se acha...

WEBER: Desobstruidamente aí?

BOHM: Sim, desobstruidamente aí. E penso que por mais longe que você pos­sa ir, ele estará sempre por perto. Se dizemos que a consciência é o conteúdo mani­festo, é o movimento não-manifesto, abaixo dela, e é alguma coisa muito além disso, a questão é fazer cessar essas ondulações no manifesto e no não-manifesto, fazer ces­sar essas ondulações no manifesto e os germes no não-manifesto, os germes que as criam, então nós temos um vazio que toma a consciência, de algum modo, um veí­culo ou um instrumento para a operação dessa totalidade — de inteligência, compai­xão, verdade. Mas se a consciência está repleta de todo esse conteúdo, que então co­meça a pôr a si mesmo em movimento, autogerando-se, torna-se justamente o caos.

WEBER: E se a consciência se esvazia de todas essas ondulações, é isso o que ontem supus que Krishnamurti estivesse chamando de religião?

BOHM: Sim. é o primeiro passo. É a noção de cessar o conflito, veja, a religião como totalidade, que significa o fim da fragmentação e do conflito.

WEBER: E ele disse; “escuta total”. Agora, pelo que eu suponho que ele mis dizer, a escuta total refere-se a essa totalidade ou vazio-pleno, mas não às pequenas coisas da superfície.

BOHM: Bom, também se refere à superfície, como vê. Escutar tudo isso.

WEBER: Tudo isso.

BOHM: Sim. O que interfere com a escuta, como você pôde ver muito claramente ontem, é o fato de o pensamento saltar muito depressa com uma palavra e todas as suas associações, as quais então se processam tão rapidamente que o pensamento toma isso como sendo percepção [direta].

WEBER: E assim ele termina, mais longe... sondando em profundidade?

BOHM: Correto. Ele diz que é isso a realidade. Desse modo, o pensamento começa a ponderar, a mover-se dentro disso, de modo que ele é capturado em si mesmo. E começa a fazer comentários a respeito de si mesmo que, por sua vez, parecem reais, e prossegue nisso, construindo todas essas ondulações.

WEBER: Ele patina sobre as ondulações e se concentra nessa dimensão, e nunca vai além delas.

BOHM: Sim. Mas ao fazer isso ele mantém todo esse caos em movimento, comove.

WEBER: Compreendo. Para mudar um pouco de assunto, você mencionou uma outra coisa que seria útil para nos esclarecer. Você falou antes sobre a or­dem implicada, o não-manifesto. Quando discutimos a matriz que torna possí­vel os objetos, e os governa, você afirmou que é como se houvesse uma seqüência, ou que pelo menos podemos pensar sobre eles como uma seqüência. Mas a seguir você disse que se tratava apenas de uma simples interpretação disso, e que havia muito mais, que eles se cruzam uns com os outros, e que todos eles são partes uns dos outros. Poderia agora abordar esse cruzamento de fatores na ordem implicada?

BOHM: Bem, você pode perguntar: Como é descrito o espaço tridimensional? O espaço unidimensional poderia ser considerado uma seqüência simples sobre uma linha, uma das dimensões do espaço. Agora, para ter duas dimensões, de­vemos ter duas seqüências. Tais seqüências se inter-relacionam, e, na verdade, você poderia dizer que é uma seqüência de seqüências, pois cada seqüência forma uma linha, e uma linha de linhas forma um plano, e uma linha de planos forma um sólido, e assim por diante. Esse processo é usualmente interrompido em três di­mensões. Agora, mesmo nessas três dimensões você pode ver que poderia orien­tar essas linhas de muitas maneiras diferentes e ainda assim cobrir com elas o espaço, certo? E, por isso, você precisa admitir que tem a possibilidade de um número de ordens tremendamente elevado, e não apenas aquelas três que acon­tecem de você escolher para o sistema coordenado. Está claro?

WEBER: Ordem significando dimensão parcial, partes da dimensão?

BOHM: Cada linha é uma ordem. Ora, o espaço ordinário poderia ser con­siderado o produto de três ordens em três direções diferentes. Mas você poderia escolher essas direções arbitrariamente. Desta maneira ou daquela maneira. Você pode girar seu referencial ou deformá-lo, e qualquer um desses sistemas de refe­rência será tão bom quanto qualquer outro. E, no entanto, cada ordem é, po­tencialmente, uma infinidade de ordens. E, agora, você poderia dizer que todas elas poderiam ser reduzidas a três quaisquer dessas ordens, ou a quaisquer outras três de tais ordens. Essa é a noção de vetor. A noção de que cada vetor poderia ser descrito por três componentes em quaisquer três direções. Portanto, você poderia reduzir qualquer ordem a quaisquer três ordens escolhidas como seu pa­drão. É esse o significado da tridimensionalidade do espaço. Agora, quando você aborda a mecânica quântica de um sistema de duas partículas, você não encon­trará um espaço tridimensional, mas um espaço de seis dimensões. Em outras palavras, você terá uma ordem de ordens: qualquer ordem tridimensional en­contra-se, por si mesma, ordenada nas três dimensões da outra partícula. Desse modo, ela tem de ser tratada como hexadimensional - uma partícula de seis dimensões. Um objeto comum, que possui, digamos, 1024 partículas, teria de ser tratado como um espaço de 3x1024 dimensões, e assim por diante. O universo teria de ser tratado como um espaço de infinitas dimensões. Está claro? Chama-se a isso espaço de configuração ou, às vezes, espaço de fase, se nos estendermos um pouco mais.

Na mecânica clássica, esse espaço de configuração é considerado uma abstração, uma abstração descritiva. Dizemos que você realmente tem de lidar com par­tículas localizadas em certos lugares em três dimensões. Mas na mecânica quân­tica isso não é uma abstração. É esse o significado da experiência de Einstein, Rosen e Podolsky, segundo a qual você não pode reduzir esse espaço de seis di­mensões a um espaço tridimensional. Acontecem nele algumas coisas que só po­deriam ser entendidas mantendo-o hexadimensional ou, mais geralmente, 3n-dimensional. Certo? Como devemos olhar para isso? O que acontece é que temos aquilo que é chamado função de onda, ou então um operador algébrico nesse es­paço 3n-dimensional, e as propriedades desse operador determinam ou referem-se ao sistema todo, ao passo que operadores menores referem-se a algumas partes do sistema. Por isso, não podemos reduzir o todo. Na física clássica, podemos reduzir o todo a partes. Dizemos que o todo tem, digamos, 3n-dimensões, mas podemos sempre dizer que isso é uma abstração para uma porção de coisas di­ferentes que estão, todas, nas mesmas três dimensões, e portanto podemos re­duzir esse todo a alguma função de um conjunto de partes, a uma função matemá­tica. Ora, em mecânica quântica não podemos fazer isso. Temos de pensar que esse espaço 3n-dimensional é apenas tão elementar quanto o espaço tridimensional, e que, fundamentalmente, as leis da mecânica quântica fornecem uma relação entre o espaço 3n-dimensional e os vários espaços tridimensionais de cada partícula.

WEBER: Já existe a matemática para isso?

BOHM: Oh! sim. Está sendo usada durante todo o tempo. Mas as pessoas dizem que ela não interessa; que é apenas um meio para calcular o que está acon­tecendo a pequenas partículas sólidas no espaço tridimensional. E o paradoxo de Einstein, Rosen e Podolsky reside no fato de que elas não são compreensí­veis, mas as pessoas concordam em colocá-las de lado, dizendo: isso não é real­mente importante porque estamos obtendo resultados. Usando essa matemá­tica, estamos predizendo corretamente como nossos instrumentos irão se com­portar. Dizemos que isso é verdadeiro, não entendemos como acontece, mas con­sideramos que é um fato sem importância.

WEBER: Suponho que muitas pessoas que estão lendo isto não sabem o que é o paradoxo de Einstein, Rosen e Podolsky.[2]  

BOHM: Isso não importa.

WEBER: Não importa, mas você está dizendo que ele tem implicações espe­cíficas, ou ramificações para a n-dimensionalidade do espaço.

BOHM: Para a 3n-dimensionalidade da matéria.

WEBER: Pode explicar isso um pouco mais?

BOHM: A matéria manifesta deve ser colocada em três dimensões se a reali­dade mais profunda possui 3n-dimensões. Estudando a matemática você pode perceber que a matéria não-manifesta é 3n-dimensional e a matéria manifesta é tridimensional.

WEBER: A matéria não-manifesta é 3n-dimensional?

BOHM: Sim. É realmente isso o que estou dizendo, e qualquer matéria que se manifeste é tridimensional; a relação entre ambas é essencialmente o que a mecânica quântica diz a você. As leis da mecânica quântica essencialmente re­lacionam o 3n-dimensional como tridimensional. Nosso equipamento revela-se em 3n-dimensões e o cálculo é efetuado em 3n-dimensões e por meio de certas regras que os conectam. O que você faz em n-dimensões está relacionado ao que você pode observar em três dimensões.

WEBER: O que isso implica?

BOHM: Ora, atualmente, o que a maioria dos físicos diria é que a realidade tridimensional é tudo o que existe, e que a mecânica quântica nada mais é que um conjunto de regras, um diferente conjunto de regras destinadas a discutir a realidade tridimensional.

WEBER: Eles convertem-na em algo pragmático?

BOHM: Sim. Agora, o que estou propondo é que a realidade 3n-dimensional é o que é, e que temos um conjunto de regras para mostrar como a realidade 3n-dimensional manifesta-se na realidade tridimensional, as duas juntas forman­do o todo maior que o todo.

WEBER: Caberia aqui uma analogia entre a consciência tridimensional, que seria o pensamento, e a consciência 3n-dimensional, que seria a percepção atenta e esclarecida? Você diria isso?

BOHM: Sim, você poderia dizer isso. Eu proporia essa analogia. Quero dizer, a consciência não-manifesta é percepção atenta e esclarecida, inteligência e alguma coisa que possivelmente está além.

WEBER: Energia?

BOHM: Energia. Agora, o pensamento poderia ser comparado ao tridimen­sional, exceto que ele é um pouco mais sutil que este. Mas é um tanto limitado em comparação com aquela profundidade maior — com aquela coisa toda. Quero dizer, temos realmente mais dimensões no pensamento do que três, mas isso é ainda muito limitado.

WEBER: E você poderia dizer, talvez, que ele permanece nessa mesma re­lação com o n-dimensional, que o objeto tridimensional face á matéria 3n-dimensional, certo? Não que seja exatamente a mesma coisa, é algo mais fluido...

BOHM: Sim.

WEBER: Você está afirmando isso, por assim dizer?

BOHM: Sim.

WEBER: Portanto, você está dizendo que quando a consciência rompe as cadeias, libertando-se dessas restrições da tridimensionalidade, ela encontra alguma coisa completamente nova e diferente.

BOHM: Bem, ela se torna — ela é alguma coisa nova e diferente.

WEBER: Ela é. Sim. E essa seria a conexão que você delinearia entre a nova física e nossa compreensão da consciência.

BOHM: Sim, uma vez que consideramos a consciência como sendo um pro­cesso material, poderíamos dizer que ela seria capaz de se mover em novos domí­nios da matéria, assim como na física temos nos movido em regiões de supercon­dutividade e superfluidez, domínios novos e altamente ordenados da matéria, e também domínios novos e altamente ordenados da consciência. Penso agora que algumas pessoas estão considerando essa noção, mas, em geral, e naturalmen­te, os físicos não estão terrivelmente interessados nela.

WEBER: Pelas razões que você mencionou anteriormente?

BOHM: Sim.

WEBER: Mas então você está dizendo que, assim como a física — a nova física — revolucionou a maneira como olhamos para aquilo que pensamos ser o mundo que nos cerca, você está dizendo que a nova consciência revoluciona a ma­neira como olhamos para o observador, para o que antes concebíamos como sen­do o observador.

BOHM: Sim. Bem, ela é parte disso. Mas veja, penso que, basicamente, o que estamos fazendo é nos livrar dessa tremenda discrepância entre a consciência e o mundo material, que é seu conteúdo, dizendo que ambos pertencem à mes­ma natureza geral. Mas para ir além deles, temos de ir até o fim do pensamento. Não basta dizer que iremos considerar uma consciência que vai além desse tipo limitado de consciência tridimensional. A dificuldade reside no fato de que ainda estamos usando a consciência tridimensional para nos guiar.

WEBER: Para falar a respeito disso?

BOHM: Sim. A meditação, em sua idéia essencial, nos aconselharia que parássemos de agir assim.

WEBER: Esta era a última pergunta, se você não se importa, que eu gos­taria de fazer. O que a meditação nos diz sobre todos esses fatores de que esti­vemos falando; o holomovimento, o espaço e o tempo, e a realidade 3n-dimensional? Você poderia dizer algo sobre a meditação?

BOHM: Penso que a meditação nos levaria até mesmo para fora de tudo [de todas as dificuldades] que estivemos falando. Veja bem, a questão é que es­tivemos falando a respeito de algo que é uma espécie de ponte. Toda essa cons­trução da ordem implicada é uma espécie de ponte. Podemos expressar isso em nossa linguagem ordinária, mas sua implicação leva a algum lugar além. Ao mes­mo tempo, no entanto, se você não atravessa a ponte, deixando-a para trás, co­mo sabe, estará sempre sobre a ponte. E não adianta estar sobre ela!

WEBER: Sim, é verdade, você permanece fixado nela!

BOHM: A finalidade de uma ponte é ser cruzada. Ou, mais precisamente, poderíamos talvez pensar num ancoradouro, a partir do qual podemos seguir oceano afora e que nos possibilita mergulhar rumo às profundidades do oceano. Assim, poderíamos dizer que, se nos fosse possível considerá-los seriamente, além de sua utilidade para a compreensão da matéria, a ponte ou o ancoradouro nos ajudariam a afrouxar nossa maneira de considerar a consciência, de modo que ela não se mantenha tão rigidamente contida. Mas penso que a questão da cons­ciência está além. A realidade dessa consciência 3n-dimensional não poderia ser alcançada estudando-se a física com a nossa consciência tridimensional. Poderia formar uma ponte ou ancoradouro de algum tipo, capaz de nos incitar a mover­mos de uma certa maneira mas, em algum lugar, temos de deixar o pensamento para trás e atingir de maneira total essa vacuidade do pensamento manifesto, e do condicionamento da mente não-manifesta pelas sementes do pensamento ma­nifesto. Em outras palavras, a meditação efetivamente transforma a mente. Ela transforma a consciência.

WEBER: Instantaneamente.

BOHM: Sim. E não podemos usar o que produzimos na consciência para substituir essa transformação.

WEBER: Então, você está dizendo que é na própria execução disso, sem qualquer lacuna, adiamento ou intenção, que esse processo toma-se ativo.

BOHM: Sim... sim.

WEBER: Portanto, apenas para relacionar isso a essa noção de vacuidade, se dizemos que nossas atarefadas atividades da vida diária são, para a maioria das pessoas, os eventos, ou a ausência de vacuidade, ou a sobrecarga, então qual é o papel da meditação?

BOHM: Bem, ela esvazia a mente de tudo isso.

WEBER: Certo. E portanto...

BOHM: ... torna possível algo diferente. A partir desse ponto de vista, você poderia dizer que até mesmo o tardar da ordem implicada faria com que ela se tornasse parte da mesma coisa usual.

WEBER: Você quer dizer que esse tardar é um obstáculo, um outro pen­samento.

BOHM: Sim. É como o camarada que permanece no ancoradouro e nunca mergulha nas profundidades do oceano.

 



[1] Esta é a mesma pergunta que Platão faz em sua Alegoria da Caverna, na Repú­blica. Numa conversa posterior, perguntei ao professor Bohm a respeito da semelhança en­tre a filosofia de Platão e sua própria distinção não-manifesto/manifesto. Ele concordou com a semelhança, e apontou especialmente a noção de Platão sobre as sombras e as ima­gens na Caverna, contrastadas com a presença do Sol do lado de fora, que é a luz da reali­dade para Platão. (RW)

 

[2] A. Einstein, N. Rosen e B. Podolsky, Phys. Rev., 47, 777 (1935). “... um exemplo sugerido por Einstein, Rosen e Podolsky. .. oferece um caso no qual pode-se demonstrar explicitamente a inconsistência de supor que os detalhes precisos das flutuações descritas pelo princípio da indeterminação poderiam ser atribuídos a perturbações do sujeito obser­vado provocadas pelo aparelho de observação.” David Bohm, Causality and Chance in Modem Physics (University of Pennsylvania Press, Filadélfia, Pennsylvania, 1971).

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