Introdução
O diálogo, tal como entendido neste
texto, é um método
de conversação que busca os seguintes
resultados: a) melhoria da comunicação entre os interlocutores; b)
observação
compartilhada da experiência; c) produção de percepções e idéias novas.
O
diálogo amplia a percepção cooperativa do real. Sua marca fundamental
é, pois,
a fertilização mútua.
A proposta não inclui chegar a
sínteses nem tomar decisões;
estas são as finalidades da discussão e do debate. Na interação do
diálogo, o
propósito é exercitar novos modos de ver e criar significados em
conjunto. Por
esse motivo, a denominação “diálogo” é até certo ponto inadequada. Em
nossa
cultura, aquilo que conhecemos com esse nome são interações verbais em
que os
participantes defendem posições, argumentam, negociam e, eventualmente,
chegam
a conclusões ou acordos.
O método do diálogo, como acabamos de
ver, não busca nada
disso. No entanto, o termo “diálogo” já está consagrado pelo uso. É
necessário,
portanto, buscar formas de atenuar as confusões e equívocos derivados
dessa
inadequação. O ideal seria abandonar a palavra “diálogo” e substituí-la
por
outra, mas já sabemos que isso não é mais viável. Por essa razão,
proponho que
sempre que a utilizemos — no sentido em que é considerada neste texto —
ela
seja complementada pela explicação de que o diálogo é uma atividade
cooperativa
de reflexão e observação da experiência vivida.
Definição
Diante do exposto, proponho a
seguinte definição: diálogo
(reflexão conjunta e observação cooperativa da experiência) é um método
de
conversação que busca melhorar a comunicação entre as pessoas e a
produção de
idéias novas e significados compartilhados. É um método que permite que
as
pessoas pensem juntas e compartilhem os dados que surgem dessa
interação, sem
procurar analisá-los ou julgá-los de imediato.
Como já foi demonstrado em muitos
estudos, a fragmentação e
a super-simplificação não raro têm produzido graves conseqüências. As
imensas
dificuldades de comunicação entre as pessoas e as instituições que elas
criaram
(a família, a escola, os governos, as empresas, as culturas, enfim) são
alguns
exemplos. O mesmo é válido para os fracassos quase que invariáveis dos
esforços
diplomáticos e das intermináveis conversações de paz que proliferam nos
noticiários.
A principal peculiaridade desse nosso
condicionamento é
desalentadora: a experiência tem mostrado que quanto mais claro fica
que
estamos marcando passo, mais insistimos em não mudar nosso modo de
pensar;
quando mais óbvio se torna que estamos num processo de repetição dos
mesmos
erros, mais incapazes nos tornamos de perceber essa obviedade. Albert
Einstein
definiu essa situação em duas frases bem conhecidas: a) “nenhum
problema pode
ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou”; b) “tudo
mudou,
menos o nosso modo de pensar”.
O
automatismo concordo-discordo
Nossa tendência a fragmentar é mais
forte que a necessidade
de integrar. Não sabemos ouvir. Quando alguém nos fala, em vez de
escutar até o
fim o que ele tem a dizer, logo começamos a comparar o que é dito com
nossas
idéias e referenciais prévios. Esse processo mental — que chamo de
automatismo
concordo-discordo — quando levado a extremos é muito limitante. Ouvir
até o
fim, sem concordar nem discordar, é muito difícil para todos nós. Não
sabemos
como lidar — mesmo de modo temporário — com o pouco conhecido ou o
desconhecido.
Faça você mesmo a prova: tente
escutar até o fim, sem concordar
nem discordar, o que o seu interlocutor lhe diz. Procure evitar que,
logo às
primeiras frases dele, você já esteja pensando no que irá responder.
Verá então
como é difícil. E constatará que esse automatismo é uma das
manifestações mais
poderosas do condicionamento de nossa mente pelo modelo mental
"ou/ou" — a lógica binária.
A palavra “diálogo” resulta da fusão
das palavras gregas dia
e logos. Dia significa “por meio de”. Logos foi traduzida para o latim
ratio
(razão) mas tem vários outros significados, como “palavra”,
“expressão”,
“fala”, “verbo”. Dessa maneira, o diálogo é uma forma de fazer circular
sentidos e significados. Num grupo que dialoga, as palavras circulam
entre as
pessoas, passam através delas sem que sejam necessárias concordâncias,
discordâncias, análises ou juízos de valor. As palavras — e o que elas
significam — são observadas tal como se apresentam à experiência
imediata dos
participantes.
Isso quer dizer que na experiência do
diálogo a palavra
liga, permeia, em vez de separar. Aglutina em vez de fragmentar. Essa
noção nos
leva a concluir que a interação dialógica não é um instrumento que
permite que
as pessoas defendam e mantenham suas posições, tal como acontece na
discussão e
no debate. A dinâmica do diálogo está voltada para ligações, para a
formação de
redes. Daí o nome de “redes de conversação”, proposto para as
experiências de
reflexão conjunta, geração de idéias, educação mútua e produção
compartilhada
de significados.
Objetivos
do diálogo e dinâmica da conversação
Segundo o físico David Bohm, estes
são os principais
objetivos de um grupo que utiliza a interação dialógica: a) melhorar a
comunicação entre as pessoas; b) observar o processo do pensamento (ou
seja,
observar a dinâmica da mente de um modo prático e disciplinado); c)
construir
de micro-culturas por meio da criação de redes de conversação; d)
produção e
compartilhamento de significados.
De um modo geral — e para fins
didáticos —, a seqüência dos
fenômenos que ocorrem numa conversação pode ser exposta da seguinte
forma: a)
as pessoas falam; b) as diferenças emergem; c) fica claro, então, que é
necessário fazer escolhas. Estas podem ser orientadas para dois
caminhos: 1)
discussão controlada, que, caso as posições se acirrem, transforma-se
em
debate; 2) diálogo.
O diálogo é diferente da
discussão/debate que, como vimos, é
uma forma de negociação que implica a exclusão das idéias “vencidas”.
Ao
negociar, os interlocutores trabalham no sentido de ganhar algo, embora
nesse
esforço possam ter de ceder um pouco daquilo que pretendiam ganhar.
Depois de
uma discussão/debate há uma conclusão — pelo menos é isso que se
deseja. No
diálogo não se visa concluir, chegar a um resultado único, nem nada
equivalente. Tudo o que se quer é fazer emergir idéias e significados
novos e
compartilhá-los.
Abaixo, as principais diferenças
entre o diálogo e a
discussão/debate.
Objetivos do método do diálogo
-Abrir questões.
-Mostrar.
-Estabelecer relações.
-Compartilhar idéias.
-Questionar e aprender.
-Compreender.
-Ver as relações entre as partes e o todoo.
-Fazer emergir idéias
-Revelar a pluralidade das idéias
Objetivos da discussão/debate
-Fechar questões.
-Convencer.
-Demarcar posições.
-Defender idéias.
-Persuadir e ensinar.
-Explicar.
-Examinar as partes em separado.
-Descartar as idéias vencidas".
-Fazer acordos.
Cabem aqui algumas observações a
respeito dessas diferenças.
Em primeiro lugar, elas não pretendem afirmar que o diálogo é melhor ou
pior do
que a discussão e o debate. Trata-se de maneiras diferentes — porém
complementares — de conversar. E é bom que assim seja, pois há
situações na
vida em que precisamos dialogar e circunstâncias nas quais precisamos
discutir
e debater.
Além disso, na prática a separação
entre uma maneira e a
outra não é tão estanque assim. Numa sessão de diálogo, as pessoas
muitas vezes
passam da discussão/debate à interação dialógica e vice-versa. É muito
importante, pois, evitar o esquematicismo, que aqui é utilizado apenas
com
objetivos didáticos.
Em outros termos: há instantes em que
precisamos utilizar o
modelo mental fragmentador (útil para a discussão e o debate) e
momentos em que
precisamos utilizar um modelo de pensamento abrangente (útil para o
diálogo).
No primeiro caso, trata-se das circunstâncias práticas da vida
mecânica, em que
precisamos lidar com fenômenos objetivamente observáveis, com
quantidades e com
as partes em separado. No segundo caso trata-se de situações da vida
não-mecânica. Nelas é necessário pensar de modo global, lidar com
sentimentos,
emoções e intuição. São ocasiões em que é necessário compreender a
interação
entre o todo e as partes.
Ao contrário do que acontece na
discussão/debate, no diálogo
não existe o pingue-pongue de perguntas e respostas. O ânimo das
pessoas que
dialogam não é a atitude costumeira da nossa cultura litigante, na qual
nada
deve ser deixado sem réplica e competimos para ficar com a última
palavra, isto
é, para “ganhar”. Numa sessão de diálogo, quem fala não deve esperar
sempre uma
resposta — que seria como uma reação à sua fala —, mas sim as
percepções e
idéias que esta faz surgir nos interlocutores.
Dessa forma, não se trata de
responder ao que foi dito pelo
outro. Mas, sim, falar complementando ou acompanhando o que ele disse.
Trata-se
de produzir algo que não existia antes em cada interlocutor e que surge
como
propriedade emergente ao longo da relação. Alguma coisa é produzida —
algo que
não existia nos interlocutores em separado a não ser em estado latente.
No
diálogo, o padrão “eu falo, você responde” é substituído pela
alternativa “eu
falo, você também fala; falamos juntos”. As idéias novas surgem por
meio da
cooperação, não pelo confronto.
No diálogo não há enfrentamento ou competição. Existem interações, ligações interpessoais. A expressão gráfica da discussão/debate poderia ser assim:
-> <-
Já para o diálogo ela seria uma
circularidade.
Num caso a relação é linear. No outro é sistêmica. A finalidade do
diálogo é
observar e participar para aprender pela compreensão. O objetivo da
discussão/debate é participar e intervir para aprender pela explicação.
Por
isso, pode-se dizer que no diálogo a postura observadora é o princípio,
o meio
e o fim. Mas é indispensável ter em mente que a observação dialógica é
participante: observo, mas ao mesmo tempo me observo como observador;
faço
parte daquilo que observo.
A atitude de sempre comparar, checar,
controlar, julgar —
própria do condicionamento básico de nossa cultura —, tende a
dificultar ou
mesmo impedir o diálogo. Nossos condicionamentos nos levam a utilizar a
discussão e o debate quando eles são necessários e eficazes — mas
usá-los
também nas situações em que são desnecessários e ineficazes. O diálogo
tornou-se um meio de comunicação relegado ao segundo plano, quando não
de todo
desprezado. É preciso, pois, reaprender essa arte esquecida. Foi essa a
iniciativa tomada por autores como o educador Jiddu Krishnamurti, o
filósofo
Martin Buber, o físico David Bohm e o psicoterapeuta Patrick de Mare,
entre
outros.
Contudo é importante lembrar que, no
Ocidente, o introdutor
da filosofia em que se baseia o método do diálogo foi Edmund Husserl
(1859-1938). Sua proposta fundamental era a suspensão de pressupostos,
idéias
prévias, teorias, seguida da observação dos fenômenos tal como eles se
apresentam à experiência imediata. Essa postura está expressa na famosa
frase
de Husserl: “Voltar às coisas mesmas”.
À sua filosofia Husserl chamou de
fenomenologia. À suspensão
de pressupostos, ele denominou de "suspensão da atitude natural" (que
prefiro chamar de atitude habitual) ou "redução fenomenológica".
Dessa forma deve-se reconhecer que Husserl — ao menos em termos
ocidentais —
talvez seja o principal precursor da atitude dialógica. Do mesmo modo
que, em
termos de investigação da mente, ele é hoje reconhecido como um dos
precursores
da ciência cognitiva.
Abertura
para idéias novas
Nossa mentalidade utilitarista e
instrumental faz com que
esperemos que nos sejam sempre fornecidos produtos e/ou ferramentas
para uso
imediato. É claro que tal expectativa pode ser também aplicada ao
diálogo, que
no entanto não é uma ferramenta pois somos partes dele. Em geral não
existe, em
nossa cultura, a preocupação de aprender pelo relacionamento com o
mundo e com os
outros. Esperamos que tudo venha de fora já pronto sob a forma de
teorias,
regras, normas, instruções de uso que nos digam o que pode e o que não
pode ser
feito e como fazê-lo. No diálogo, porém — com exceção de algumas
atitudes
básicas —, não há “modos de usar”. Existe a consciência de que as
pessoas não
são coisas nem instrumentos. O que há são modos de participar e
compreender.
Na postura dialógica não há lugar
para a idéia de que as
pessoas devem se colocar como comandados à espera de ordens e regras
sobre como
viver suas experiências. Para muitos tal postura parece cômoda,
simples,
rápida. Sobretudo, tem a virtude de dispensá-los do esforço de pensar.
No
diálogo não há nada disso. Ele não se apresenta como um remédio,
terapia, nem
muito menos como uma ferramenta para resolução de problemas.
Outro pressuposto bem conhecido de
nossa cultura é a
separação sujeito-objeto. Por meio dele, julgamo-nos separados do mundo
e
independentes uns dos outros. No processo dialógico suspendemos
temporariamente
as nossas crenças. Ao fazer isso damos um passo importante para
identificar e,
nos casos necessários, suspender ao menos por alguns momentos a idéia
de que
somos separados do mundo em que vivemos, isto é, de que o ser humano é
separado
da natureza.
Nossa mentalidade instrumental nos
levou a muitas esperanças
falsas. Talvez a principal delas seja a de que as ferramentas, as
técnicas, as
terapias, etc., estão à nossa disposição para fazer o “trabalho duro”,
enquanto
descansamos e nos divertimos. Tudo isso potencializa nossas fantasias,
mas leva
com freqüência a decepções.
É o que acontece todas as vezes que
descobrimos que nossa
vida depende de nós mesmos. Por outro lado, isso não nos dispensa de
cooperar
com os outros e vice-versa. A vida depende do que criamos em comum, mas
cada um
deve assumir a responsabilidade pelo que construiu. Somos ao mesmo
tempo
autônomos e dependentes. O diálogo é um dos meios pelos quais essa
condição se
torna clara.
O
silêncio no diálogo
O indivíduo que opta por longos
períodos em silêncio,
enquanto participa de um grupo de diálogo, está dialogando? Quando o
grupo
entra em silêncios prolongados pode-se dizer que existe diálogo? A
resposta é
simples: dialogar é antes de mais nada aprender a ouvir. O outro
precisa ser
ouvido até o fim sem que o interrompamos, seja para concordar ou
discordar.
Enquanto ouvimos, é importante ter
consciência do que
sentimos. É preciso que estejamos atentos às nossas reações ao que
ouvimos. A
comunicação é determinada pela percepção de quem a recebe, e não pelo
que é
expresso por quem comunica. O silêncio — individual ou coletivo —
também faz
parte do diálogo. É importante perceber aquilo que a fala (ou o
silêncio) do
outro produz em nós: impaciência? Inquietação? Desconfortos em
determinadas
partes do corpo? Alterações no ritmo cardíaco e na respiração?
Aborrecimento?
Ansiedade? O que mais?
Não que o conteúdo do que nos dizem
não tenha importância. O
que quero destacar é que a comunicação provoca em nós um impacto global
e não
apenas intelectual. Por isso, é preciso que estejamos atentos à
totalidade de
nossa estrutura enquanto ouvimos. É preciso ouvir até o fim, sem
concordar nem
discordar. Ou compartilhar o silêncio, se for o caso. Observar,
deixar-nos
permear pelo que ouvimos. Não tentar logo de saída analisar, explicar,
classificar, ou por qualquer outro meio racionalizar. Praticar a
auto-observação (não a auto-análise ou a auto-explicação) enquanto
escutamos.
Essa é uma postura que por si só implica um grau importante de
suspensão de
pressupostos. É o que o filósofo Martin Heidegger chamava de "relação
aberta com o mundo".
Foi dito que as posturas básicas do
diálogo são relativamente
poucas. Já sabemos que sua essência corresponde à atitude
fenomenológica
proposta por Husserl, que pode ser resumida nos seguintes itens: a)
prestar
atenção aos fenômenos quando e como eles se mostram; b) descrevê-los
sem tentar
explicá-los; c) respeitar as diferenças; d) não se deixar influenciar
por
pressupostos e crenças; e) pôr todos os fenômenos em pé de igualdade;
f) não
delimitar logo de saída o campo de observação; g) ver-se como
participante, não
como observador.
A
suspensão de pressupostos
Os pressupostos são nossas crenças
arraigadas, nossas
teorias sobre como o mundo deve ser, nossas “certezas”. Aqui se incluem
também
os nossos preconceitos. Apesar de serem úteis em casos específicos, em
muitas
circunstâncias os pressupostos “engessam” a nossa mente de tal maneira
que
podem estreitar e obscurecer nossa visão de mundo. Correspondem aos “já
sei do
que se trata”, “isso não é novidade” e assim por diante. Lembremos um
conhecido
pressuposto que prejudicou e ainda prejudica a aprendizagem de
incontáveis
alunos: “A matemática é complicada e incompreensível”. Essa “certeza”
tem
fechado o horizonte mental de muitas pessoas para o aprendizado dessa
disciplina.
Por meio dos pressupostos, ficamos
convencidos de que já
“sabemos” tudo sobre uma determinada pessoa, situação ou assunto.
Convencemo-nos de que não há mais nada a aprender. Sempre que nos
defrontamos
com uma idéia ou situação nova, nossa tendência é compará-la de
imediato com
nossos referenciais, isto é, tentar enquadrá-las neles, reduzi-las a
eles.
Assim, é fácil deduzir que quanto mais nos agarramos a crenças mais
nossa
percepção e compreensão se estreitam e se tornam obscuras. A fixação em
determinadas idéias constitui o principal motivo de nossa resistência
ao novo e
à mudança. Fecham portas e obstruem caminhos. Se pudermos suspendê-las
— ainda
que temporariamente —, um mundo novo se abrirá diante de nossa
percepção e
perspectivas novas se tornarão possíveis.
Entretanto, resta saber: a) é
possível, na prática, fazer
essa suspensão?; b) em caso afirmativo, como fazê-la? A resposta à
primeira
questão é positiva, mas é preciso esclarecer o que significa suspender crenças. Essa
noção, por sua vez,
nos dará elementos para responder
à
segunda questão. O filósofo francês Michel de Montaigne (1553-1592) já
falava
sobre isso, quando se referia à “suspensão do juízo”. Ele observou que
suspender não significa eliminar em definitivo. Significa apenas não
julgar por
algum tempo até que se tenha uma percepção melhor da pessoa, conceito
ou
situação. Ou seja: deixar para fazer os julgamentos um pouco mais
tarde, quando
for o caso. Enfim, manter a mente aberta à experiência.
Referenciais
importantes
Os pontos abaixo são cruciais para o
diálogo como
instrumento de busca de idéias novas e, portanto, de conhecimento e
aprendizagem. Por isso, precisam ser relembrados:
1. O principal obstáculo ao diálogo é
que as pessoas quase
sempre definem o seu comportamento com base em referenciais que
consideram
consolidados. Estes constituem o principal bloqueio à abertura mental e
ao
aprendizado. É o que podemos chamar de atitude habitual.
2. Essa atitude é a principal
manifestação do modelo mental
fragmentador que formata a nossa cultura. Suas características básicas
são: a)
visão de mundo voltada mais para fora, isto é, a busca constante da
objetividade, como se o conhecimento pudesse ser só objetivo; b) o
conseqüente
desprestígio da subjetividade e da qualidade, que são vistas como
maneiras
“inferiores” de conhecer; c) pensar quase sempre em termos de
causalidade
imediata.
O aprendizado eficaz depende do modo
como aprendemos a
questionar nossas idéias prévias. Como resultado, poderemos chegar à
abertura
mental necessária à diminuição da resistência à mudança. A atitude
habitual
pode se transformar em uma posição defensiva. É ela que faz com que a
maioria
de nós assuma uma posição resistente sempre que postos diante de idéias
novas.
Para diminuir essa resistência, como já vimos, é preciso aprender a
suspender
tal postura.
A suspensão nos leva a uma visão de
mundo mais abrangente.
Esta, por sua vez, mostra que o conhecimento não é só objetivo nem
apenas
subjetivo: é o resultado da interação entre o observador e o observado.
Por
isso, lidar com ele implica que as pessoas aprendam a lidar também com
sua
subjetividade, isto é, com o modo como vêem o mundo e como essa visão
gera
comportamentos.
Se aprendermos a suspender a atitude
habitual, serão
removidas, ao menos em parte, as defesas que entravam esse aprendizado.
Ao agir
de modo defensivo imaginamos que nos protegemos, quando na verdade
perdemos
eficácia perceptiva e estreitamos nossa compreensão. A principal
característica
da atitude defensiva é a recusa à auto-observação e ao
auto-questionamento, com
a conseqüente criação do hábito de atribuir as causas de nossos
problemas a
fatores externos.
Nessa situação, sempre que
confrontados com o fato de
estarmos na defensiva nos tornaremos ainda mais defensivos. Entraremos
num beco
sem saída. Se as pessoas não tomarem consciência de como muitas vezes
raciocinam de maneira defensiva — e de que é necessário suspender a
atitude
habitual para evitar isso —, qualquer tentativa de mudança de modelo
mental
dificilmente será bem sucedida. Por isso a suspensão da atitude
habitual não é
um sinal de fraqueza ou de falta de persistência, como muitas vezes se
pensa,
mas sim uma demonstração de abertura e senso de realidade. Ela pode ser
difícil, mas seus resultados valem a pena.
Talvez as noções mais importantes
sobre a suspensão dos
pressupostos sejam estas: a) a suspensão é temporária; b) limita-se ao
tempo de
duração do diálogo e ao assunto em pauta. Para David Bohm, ela começa
com a
observação. Na metáfora desse autor, durante o diálogo os pressupostos
devem
ficar suspensos à nossa frente como se estivessem pendurados num fio
invisível
— como roupas num varal. Isso quer dizer que antes de proceder à sua
suspensão
é preciso identificá-los e expô-los, não apenas a nós próprios mas
também aos
nossos interlocutores.
É como colocá-los no centro do
círculo que dialoga.
Apresentá-los e tentar compreendê-los, e não analisá-los, questioná-los
nem
explicá-los. A esse respeito, a conhecida frase de Espinosa é
ilustrativa: “Não
rir, não lamentar, não odiar, mas sim compreender”. Ao proceder dessa
maneira,
permitimos a nós mesmos e aos nossos interlocutores examinar as crenças
a
partir de perspectivas novas e diversificadas perspectivas. Olhá-las de
outras
maneiras, enfim. É importante que esse procedimento seja bem
compreendido,
porque ele constitui a própria essência do diálogo.
A reflexão coletiva é muito
importante. Há muito se sabe que
os outros conhecem bem melhor que nós os nossos pressupostos. Ao
localizá-los e
expô-los, reconhecemos esse fato e permitimos que as pessoas nos dêem
retorno a
respeito de nossas “verdades”. Ao proceder assim, pedimos-lhes que nos
ajudem a
superar algumas de nossas limitações.
Dialogar, portanto, é pôr-se
à prova, o que não é fácil. Os resultados, porém, são
compensadores. A
posição dialógica é uma troca de impressões, um compartilhamento de
idéias ou
significados que surgem à medida que as pessoas conversam. É comum que
elas
produzam frases assim: “O que você acabou de dizer me faz lembrar
que...”, ou
semelhantes, e a partir daí se desenrole toda uma dinâmica de
criatividade.
Interações dessa espécie geram idéias
novas. Produzem
sinergias. Pode-se dizer que elas põem em prática um princípio básico
do
pensamento sistêmico: num sistema o mais importante não são as partes
isoladas,
mas sim o modo como elas interagem e fazem surgir propriedades novas
(propriedades emergentes), que não existiam — ou só existiam em estado
latente
— nas pessoas isoladas.
As propriedades emergentes surgem em
resposta ao convite
implícito em todo diálogo: cada participante convida os demais a
ajudá-lo a
perceber que não consegue aprender sozinho, pois suas “certezas” o
impedem de
fazê-lo. Posições diferentes das nossas não devem provocar rejeição nem
contestação. Ao contrário, precisamos aproximar-nos delas, conhecê-las,
observar as modificações que elas produzem em nossa estrutura.
Há dois modos principais de lidar com
a diversidade. O
primeiro consiste em tentar superá-la, ou, se isso não for possível,
afastá-la.
É o modo representacionista, que afirma que o mundo é pré-dado em
relação à
nossa experiência e que portanto todos devemos percebê-lo da mesma
maneira.
Criam-se assim visões padronizadas.
O outro modo é o construtivista, que
sustenta que o mundo em
que vivemos é o que construímos ao longo de nossas interações com ele.
Para
tanto, é preciso aprender a conviver com a diversidade. Sob esse ponto
de
vista, o diálogo é um exemplo de construtivismo levado à prática. A
emergência
de significados e seu compartilhamento geram novos modos de
comportamento:
constituem a matéria-prima da construção das microculturas grupais.
O
diálogo é mais um modismo?
Eis uma pergunta que as pessoas fazem
com freqüência, em
especial no âmbito das empresas, no qual os chamados “modismos
gerenciais”
proliferam com rapidez. Por essa razão, justificam-se alguns
esclarecimentos.
Proponho alguns critérios, que talvez que nos capacitem a saber com um
razoável
grau de aproximação quando estamos diante de um modismo.
Ei-los: a) promessa de aprendizado
rápido; b) promessa de
resultados imediatos ou a curto prazo; c) visão quantitativa e
financeira; d)
promessa de tornar as pessoas “mais competitivas”, por meio da
aquisição de
certas “habilidades” e “poderes”; e) a pouca ou nenhuma importância
dada às
relações interpessoais; f) a pouca ou nenhuma importância dada às
emoções e
sentimentos.
É claro que o leitor também pode,
recorrendo à sua própria
experiência (e talvez recordando as decepções que já teve com um ou
mais desses
métodos “miraculosos”), aumentar a lista acima. De todo modo, ela se
propõe a
ser um auxílio àqueles que precisam lidar com os modismos.
Se aplicarmos esses critérios ao
diálogo, os resultados
serão: a) o método não é fácil de aprender; b) não há promessa de
resultados
imediatos; c) a visão é mais qualitativa; d) o objetivo não é aumentar
a
“competitividade” das pessoas nem dar-lhes poderes “mágicos”; e) as
relações
interpessoais são o ponto central; f) dá-se importância às emoções e
sentimentos, sem no entanto negar a racionalidade e a praticidade.
Mais uma vez, é necessário lembrar
que o diálogo não se
propõe a ser algo “bom” e “correto”, cujo objetivo é ocupar o lugar de
práticas
“más” e “incorretas”. Ao contrário, sua finalidade é evitar esse e
outros tipos
de polarização. Tudo isso visto, o leitor está convidado a tirar suas
próprias
conclusões.
O
diálogo é mais um conjunto de "receitas
prontas"?
Há quem imagine que o diálogo não tem
metodologia, que seja
algo apenas intuitivo. Trata-se de um equívoco. Há muito de intuitivo
em sua
prática, é claro, mas existem outros aspectos a serem observados.
Assim, o que se segue deve ser visto
como um conjunto de
sugestões a serem aplicadas e desenvolvidas de modo ativo: a) ouvir
para
aprender algo de novo e não para conferir com crenças prévias; b)
respeitar as
diferenças e a diversidade; c) refletir sem julgar; d) ter sempre em
mente que
o objetivo é criar e aprender, e não “ter razão” e sair vencedor. As
pessoas
que não compreendem o que é suspensão de idéias preconcebidas, ou que
necessitam de explicações, regras, normas e diretrizes detalhadas para
suspendê-las, dificilmente conseguirão dialogar.
A suspensão de pressupostos deve ser
uma atitude consciente
e pragmática. Não há mágicas nem aspectos miraculosos em sua
realização. Também
não se trata de suspender todos os pressupostos a respeito de tudo e
para
sempre. Tal coisa seria impossível e, mesmo que fosse possível, seria
desnecessária para a prática do método do diálogo. Nunca é demais
insistir que
o objetivo é suspender, durante a duração do diálogo, idéias prévias
sobre o
assunto que está sendo tratado.
Por fim, eis mais algumas
considerações que têm sido úteis
em minha experiência com grupos:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
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VARELA, Francisco. Entrevista.
(Publicada em Psychologie
Heute e reproduzida em Hyperpage www.kweb.it/hyperpage/varela/html)
YANKELOVICH, Daniel. The magic of
dialogue: transforming
conflict into cooperation. Nova York: Simon & Schuster, 1999.
© Humberto Mariotti, 2001.
Publicado na revista Thot (São Paulo)
76:6-22, 2001.
Humberto
Mariotti é Professor e Coordenador do Centro de
Desenvolvimento de Lideranças da Business School São Paulo. Consultor
em
desenvolvimento pessoal e organizacional. Conferencista nacional e
internacional. Coordenador do Núcleo de Estudos de Gestão da
Complexidade da
Business School São Paulo.