A
teoria de Bohm revela uma notável cosmologia. Talvez não
menos notável
que seu conteúdo seja a sua proveniência, um físico. Em nossa época
de compartimentalização
profissional, surge a questão: por que um eminente físico teórico, com
uma
reputação científica em jogo, devota-se à exploração da consciência?
Uma
abordagem abrangente e enfática da visão de Bohm acerca do universo traz
luz a essa
questão.
Seu
contacto com a filosofia indiana, em especial com o
sábio hindu Krishnamurti,
convenceu-o de que o pensamento, a forma de consciência que nos é
mais familiar e na qual habitualmente funcionamos, corrompe a
realidade. A
velha esperança
da metafísica e da física, de que o pensamento pudesse revelar a realidade,
está
necessariamente condenada. O pensamento é uma habilidade reativa
e
não ativa,
sintonizando apenas parcialmente o homem com a natureza, e distorcendo
a maior
parte dela. O pensamento é uma espécie de consciência fossilizada,
operando
dentro do “conhecido” e, desse modo, por definição, não é criativo.
A realidade
ou aquilo que é fundamental (Bohm não iguala os dois, mas qualquer
esclarecimento sobre isso está além da alcance deste artigo), as investigações
de Bohm o
convenceram disso, é algo sempre novo. Trata-se de um processo vivo. Uma vez
que o pensamento está
limitado pelo tempo, não pode apreender aquilo que se encontra além de
um
arcabouço finito espaço-temporal.
Bohm
só admite com relutância as teorias de outros
pensadores em suas discussões,
insistindo em elaborar novamente a resolução de um
determinado problema
sem se apoiar no passado. Não obstante, ele admite que há
paralelos entre
suas concepções e as de certos filósofos do passado. Um exemplo característico
é o de Platão,
cuja Alegoria de Caverna (República, VII)
apresenta surpreendente
coerência
com a cosmologia de Bohm. Quando incitado, Bohm concorda
com a
correlação entre a caverna de Platão e a ordem explicada, e também
com a correlação
entre a metáfora da luz em Platão e a ordem implicada. Tanto a luz de Platão
(Sol) como a ordem
implicada de Bohm só podem ser apreendidas
através de insight, ambas se acham além da
linguagem, e ambas são inacessíveis exceto para
indivíduos dispostos a sofrer
uma mudança vigorosa e decidida. Os
domínios que Bohm caracteriza como estando “infinitamente além” até
mesmo da
ordem implicada — a saber, verdade, inteligência, insight, compaixão
—
são comparáveis aos princípios fundamentais de Platão: verdade, beleza,
o bem, a
unidade.
Outras
tradições históricas vêm à mente. No mundo
ocidental, Plotino, Leibniz e
Spinoza; no Oriente, Buda, Shankara e a Jnana ioga.
Esta, cuja afinidade
com Krishnamurti e
Bohm é notável, é a ioga
do discernimento e da discriminação. Ela evita a
metafísica e a religião
exotérica, o ritual e os sistemas de símbolos em
favor de um puro estado de percepção atenta e livre de arcabouços ou
filtros. É
conhecida na tradição como “a via que sobe direto
pelo lado da montanha”, e é
considerada a via mais direta e difícil que existe. Diz-se que somente
muito
poucas pessoas estão propensas a satisfazer suas exigências ou são
capazes de realizar
tal façanha. De acordo com aqueles que
nos deixaram o relato de suas experiências, seu ponto mais alto é o
silêncio.
Desse modo, Meister Eckhart (para recorrermos
a uma fonte inesperada) afirma que “não há nada em todo o universo mais semelhante a Deus
que o silêncio”, e
junta essa descoberta à metodologia: “Por
que você tagarela a respeito de Deus? Não sabe que tudo o que você diz é falso?”
Além
dessas poucas observações, devemos deixar a tradição
para trás. Embora possa
apresentar interesse histórico e psicológico unirmo-nos a outros exploradores dessa quietude
fecunda, ficar agarrado
ao passado é um obstáculo e uma
traição ao momento vivo recém-criado, para onde se dirige o foco total
de Bohm.
Por mais interessantes que possam ser os
filósofos ou os sistemas que alguém
introduza numa discussão com ele, Bohm, firmemente, os reduz a um mínimo e traz o assunto de
volta ao presente, a este
momento. É seu compromisso com
essa manifestação viva da realidade, momento-a-momento, que une seu trabalho em física a seu
interesse pela consciência.
A
desintegração do átomo só pode ocorrer no presente e
sempre pode ocorrer
de novo. A analogia do átomo com o pensamento, e com um suposto
pensador
que produz o pensamento, é crucial. O pensador assemelha-se ao átomo, que
permanece coeso
ao longo do tempo graças à sua energia de ligação. Quando a energia de
ligação do átomo físico é
liberada num acelerador, a energia resultante, vertiginosamente
grande, fica
livre. Analogamente, são necessárias enormes quantidades de energia de
ligação
para criar e sustentar o “pensador”, e para manter
sua ilusão de que ele é uma entidade estável. Essa energia, estando
“amarrada”,
é indisponível para outros propósitos,
forçada a prestar serviço àquilo que
Bohm chama de “autofraude” (self-deception) (fenômeno
descrito em detalhe
por Buda como ignorância, avidya, que significa,
literalmente, “não ver”).
O pensamento, ou o que Bohm denomina mente tridimensional,
acreditando-se, equivocadamente,
autônomo e
irredutível, requer e, por isso, dissipa vastas quantidades de energia cósmica
nessa ilusão. A energia
que, desse modo, pré-desemboca nessa
via não pode fluir por outros canais. A conseqüência disso é uma ecologia cósmica insalubre, que
polui o holomovimento
em pelo menos duas direções destrutivas.
Primeiro, o holomovimento ilude a si mesmo, escolhendo a ficção em vez do fato, e por isso
se escraviza. Segundo,
o holomovimento se dilacera, substituindo
o eu isolado pela consciência da humanidade, numa abstração alicerçada no sofisma,
escravizando outros por meio
de sua ira, de sua ganância, de sua
competitividade e de sua ambição. O resultado desses dois passos errados é um mundo de
sofrimento pessoal e
interpessoal.
O
primeiro desses passos errados, a ilusão de um ego, de
um eu pessoal ou pensador,
acha-se intimamente relacionado ao tempo e à morte. Sejamos
claros. O pensador, não a consciência, é limitado pela morte. Esta, de acordo
com esses pontos de
vista, consiste
precisamente na desintegração atômica psicológica descrita
acima e não é, necessariamente,
um sinônimo da dissolução do corpo físico (como observaram muitos
autores em
seus relatos sobre a tradição esotérica). A morte psicológica ocorre
quando a
consciência caminha em compasso com
o presente, que
está sempre em movimento e se auto-renovando, e não permitindo
que nenhuma parte de si mesmo seja aprisionada nem fixada como
energia
residual. É a energia residual que proporciona o
arcabouço para aquilo que se
tornará o pensador, o qual
consiste em experiências não-digeridas, isto é, não assimiladas
nem ordenadas pela mente, em memórias, padrões do hábito,
identificações,
desejos, aversões, projeções e fabricação
de imagens. Não se trata de um
processo puramente pessoal
mas sim da energia de eons de tais processos esclerosados
com o passar do tempo, persistindo tanto em nível pessoal quanto coletivo.
A morte do ego desmantela essa superestrutura, deslocando-a
para seu lugar
correto nos bastidores de nossas vidas, em vez
de dominar e desordenar o
palco, como atualmente
acontece. Bohm argumenta que tal movimento requer
maior
adaptação biológica não reduzida, bem como saúde, e não deve nos ameaçar.
Pelo contrário, a “morte” assim concebida é, na verdade, a sua
negação,
conduzindo-nos ao eterno presente, além do alcance da morte.
Nosso
segundo ponto refere-se à
ética. Ao longo dos séculos, o pensador tagarela
a respeito
de absolutos inquestionavelmente nobres — Deus, consciência
cósmica, inteligência universal ou amor — mas o domínio onde habita
diariamente
permanece destrutivo e caótico. Isso não nos
deve surpreender. A qualidade
tridimensional do
pensamento bloqueia necessariamente a própria experiência
da realidade vivenciada pelo pensador, e sobre a qual, durante
séculos, ele
fala usando palavras ocas. é
a incomensurabilidade substantiva e
lógica, e não
a má vontade nem o esforço insuficiente, que
responde por isso. O não-manifesto,
como Bohm
meticulosamente argumenta, é n-dimensional e atemporal, e
não pode ser manipulado, seja como for, pelo pensamento tridimensional.
A consciência,
funcionando como pensamento (ao
contrário do insight) não pode conhecer
de
imediato a verdade ou a compaixão, e nisso reside a raiz de seu malogro
em incorporar essas energias à sua vida diária.
Somente
quando o indivíduo
dissolve o ego tridimensional, que consiste em
matéria
grosseira, a base de nossa existência pode jorrar através de nós, sem obstrução.
Para um físico teórico, o paralelo desse estado de coisas com
a mecânica quântica é evidente, Bohm estende sua aplicabilidade à
psicologia,
incitando-nos
à dissolução do pensador como a mais alta
prioridade que pode ser empreendida por aquele que busca a verdade. Com
essa concepção,
ele oscila margeando
a fronteira daquilo que é
culturalmente aceitável, na interface entre a
física e a religião.
É um terreno estranho, uma vez que nossa cultura
atual, carecendo
de qualquer conceito concebível para explicá-lo, rejeita um tal
vínculo como
algo confuso, e até mesmo absurdo. Entretanto,
por mais estranha e inédita
que possa ser, essa
integração é justificada pelo modelo de Bohm, segundo o
qual o universo é um holomovimento. O desmantelamento do pensador produz
energia que é qualitativamente carregada, não-neutra ou isenta de
valor. É energia
livre e fluente, caracterizada pela
totalidade, pela n-dimensionalidade e
pela força da
compaixão. A física e a ética tomam-se também uma só nesse processo,
porque a energia do todo [whole] está, de certa
forma,
intimamente relacionada
com aquilo que chamamos de
santidade [holiness]. Em
resumo,
a própria
energia é amor.
À
desintegração atômica
aplicada à consciência Bohm e Krishnamurti dão o
nome de “percepção
(ou consciência) atenta” (awareness). Tal processo
proporciona
à
consciência acesso direto àquela energia, e a conduz à certeza experimental, baseada na
evidência, de que a suprema
natureza do universo é uma energia de
amor. Os místicos proclamaram isso a uma só voz. O que é surpreendente é o fato de um físico
contemporâneo
interessar-se por tal teoria e pelo seu
método. Naturalmente, é verdade que, em muitos aspectos, os objetivos
do místico
coincidem com os do físico, isto é, o
contacto com o que é fundamental.
Mas há uma diferença crítica. A desintegração do átomo é um empreendimento dualista; o físico
(sujeito) trabalha sobre
um objeto que se supõe estar fora
dele. A mudança do objeto não modifica fundamentalmente o sujeito. Por outro lado, a desestruturação
do pensador envolve
necessariamente o próprio operador ou experimentador,
porque é ele o
objeto-de-teste em questão, o agente transformador
e, ao mesmo tempo, o paciente, que sofre a transformação. Daí a resistência, o caráter
árduo e a grande
raridade de tal evento.
Embora
raro, isso ocorre, e
conforme se sugeriu acima, Bohm associa sua realização
à ética.
A desintegração de átomos psicológica despolui o que incontáveis
aglomerados egóicos ilusórios (análogos a espasmos que reduzem o fluxo dentro do todo) poluíram com
seu mau posicionado
sentido de separatividade e suas prioridades mantidas
pelo ego,
resultando em sofrimento universal. O desintegrador
de átomos psicológico coincide, desse modo, com o santo, que não mais contribui para o
sofrimento coletivo da
humanidade mas, em vez disso, torna-se
um canal para a ilimitada energia da compaixão. A consciência torna-se um conduto alinhado com a
energia do universo,
irradiando-a para o mundo humano e
das criaturas sem distorcê-la ou desviá-la para seus próprios objetivos
autocentralizados.
Curiosamente,
a despeito da
convicção de Bohm de que é esse o estado de
coisas verdadeiro
e desejável, que o nosso conhecimento simplesmente ainda não alcançou,
ele
reluta em discuti-lo a não ser através de breves alusões. Sua ênfase
está na
metodologia do processo de autodescondicionamento, e não na terra
prometida que se encontraria no fim desse processo. Sua
justificativa para isso é simples. Em seu estado condicionado, a mente,
seja
como for, nada mais pode
fazer exceto traduzir o
que é incondicionado para padrões condicionados e,
desse
modo, ela perde a essência daquilo que procura. Fiel ao credo da
ciência, Bohm
apóia-se em provas experimentais, e não verbais. A conseqüência
desse posicionamento
é estranha, e até mesmo bizarra.
Coisa alguma pode rivalizá-lo no
domínio do conhecimento, nem
mesmo o ardiloso paradoxo da mecânica quântica. Em certo nível, ele
parece
estar em disparidade com nossa constituição
psicológica,
pois até mesmo aqueles em que há pleno acordo intelectual com essa
concepção acham difícil enfrentá-la no nível existencial de suas
vidas, como
qualquer pessoa que tenha vivenciado os
ensinamentos de Krishnamurti atestará.
O que é esse
paradoxo? Apenas isto: quanto mais falamos a respeito da “verdade”,
ou mesmo pensamos sobre ela, para mais longe de nós mesmos a
afastamos
(a analogia com o Princípio da Indeterminação de
Heisenberg é óbvia). É o eu o
pensador, o criador
do pensamento a respeito do sagrado ou de Deus que, nesse próprio ato,
introduz
as impurezas (tempo, self, linguagem, dualismo) e,
desse modo,
anuvia aquilo que
de outra maneira seria imaculado (o próprio
Kríshnamurti usou
essa palavra
nesse contexto, numa conversa que tivemos em Ojai, em 1976). Dificilmente
se
poderia considerar esse reconhecimento como algo novo, mas
sua articulação só
raras vezes foi formulada com eloqüência tão sincera como
a que se encontra
no tom e na linguagem de Kríshnamurti ou expressa com a clareza de
Bohm. Não
precisamos, de fato, perambular até muito longe. Kant nos
vem à mente. Já no
final do século XVIII, ele insistia em nossa impossibilidade
— fundamentada
na lógica ou nas leis do pensamento e, desse modo, constituindo
um obstáculo
que não é possível superar — de ter acesso à experiência do
que é fundamental.
Kant deu a esse
domínio o nome de coisa-em-si, isto é, aquilo
que Krishnamurti e Bohm chamam de
inteligência ou compaixão (Buda, o dharma, e
Platão, “o bem”). Kant
liquidou a metafísica demonstrando cuidadosamente,
na Crítica da Razão Pura, que
tudo o que é pensável e nomeável deve, necessariamente,
conformar-se com a estrutura
inerente da mente: espaço, tempo,
qualidade, quantidade, casualidade, etc. As categorias
kantianas são aquelas às
quais Bohm se refere como sendo o domínio da
tridimensionalidade, com a distinção
de que este último é mais amplo, abrangendo a
emoção, a vontade, a
intenção e outras qualidades psicológicas, bem como cognitivas. Todas
essas qualidades
dizem respeito ao mundo da experiência sensível (a ordem manifesta ou
explicada, na
linguagem de Bohm), e respondem pela nossa aptidão para funcionar
no domínio
fenomênico. Nessa dimensão, não temos outra escolha a não ser
filtrar aquilo
que é através do aparelho de percepção universal descrito
acima. Nossa
capacidade para
a tradução é útil quando adequadamente empregada (isto é,
biologicamente, ou
em certas atividades práticas da vida diária). Fazer isso, no
entanto, custa-nos
um alto preço, como Kant compreendera. Uma vez que o
númeno, ou
coisa-em-si, não é capaz de ser apanhado na nossa rede, permanece
imperscrutável
para nós. O conhecimento, tanto para Kant como para Bohm, é
o processo de
sintonizar a manifestação (o fenômeno) do não-manifesto, a fim de
torná-lo acessível
a criaturas estruturadas da maneira como somos. Esse filtro e
a conseqüente
distorção acham-se “embutidos” em nós e são universais. Por definição,
a
coisa-em-si nunca pode aparecer-nos como seria sem a nossa ação de “sintonizá-la” com
nosso aparelho de
recepção finito.
Aqui
os caminhos se separam. Krishnamurti, Bohm e toda a
tradição mística
concordam com a análise de Kant referente à experiência fenomênica.
No entanto,
eles avançam além de Kant, para proclamar a possibilidade de um estado de consciência que se
encontra fora dessas
barreiras. Para Kant, cujas concepções sobre
o assunto foram aceitas como definitivas pela filosofia ocidental, nenhuma
outra
capacidade acha-se disponível em nós à qual possamos
recorrer para alcançar
o númeno, Bohm e os
outros que mencionamos
sustentam que essa capacidade existe
no universo, e que, estritamente falando, ela não se encontra
Kant,
em contraste com isso, não nos deixa dúvidas
quanto ao seu desconhecimento de tais estados do ser, que boa parte da
humanidade registrou com notável consistência
e concordância intersubjetiva.
Bohm, assim como Kant, realiza um trabalho
inestimável ao delinear claramente
onde devem situar-se os limites do conhecimento.
Parafraseando Kant: o gênero humano
encontra-se num laço simbolizado, como poderíamos exprimir em palavras
atuais,
por uma raça universalmente dotada de lentes de contato. Sem essas
lentes, nada
podemos ver, em absoluto, isto é, não podemos
ter nenhum conhecimento. No entanto,
como as lentes nos chegam pré-equipadas
com seus próprios filtros de cor
embutidos, graças a elas só conseguimos “ver”
o que os filtros permitem. Dessa forma,
não vemos nada ou vemos distorcidamente. Em nenhum
caso, entramos em contacto com o que é
fundamental.
Perceber
(não visualmente, é claro) as coisas como elas
realmente são exige, usando
o vocabulário de Bohm, a desativação dessas
lentes, contornando-se o ego
ou self que manipula o mundo através delas, e
convertendo-se no canal vazio,
aberto à totalidade que é a nossa fonte. Como já
explicamos, nada nesse vazio pode
ser caracterizado, pois a caracterização é a tradução
de númeno em fenômeno,
de não-manifesto
Essas
observações deviam lançar luz na firme postura de
Bohm. A esperança de
apreender o númeno através de olhos fenomênicos fundamenta-se num absurdo lógico, que Bohm
chama de confusão e
autofraude. O antiqüíssimo esforço
filosófico para sintonizar a pureza de ser e percebê-la tal como seria
em si
mesma sem ser percebida por um conhecedor[1]
é, portanto, uma esperança vã.
Aproximar-se
da infinita
inteligência cósmica, do amor ou insight de que
fala Bohm requer que o
conhecedor dê total passagem à pura consciência não-dualista.
À luz dessa necessidade, as prioridades de Bohm tornam-se
compreensíveis e parecem inevitáveis. A desintegração atômica restrita
à
matéria bruta — o campo do físico de partículas — é apenas um primeiro
passo em
nossa busca da
realidade, e é o caminho presentemente
seguido pela comunidade dos físicos. Mas Bohm vai muito além. A
mutabilidade
das formas (cf. Livro Tibetano dos Mortos) das partículas
subatômicas (matéria bruta) não revelará os segredos do universo. Tudo o que ela
pode nos oferecer é conhecimento, restrito,
como vimos, ao domínio tridimensional.
Mas
Bohm tem em mente um tipo
mais sutil de desintegração atômica: retardar
e, finalmente,
parar a própria dança daquele que responde pelas mudanças
de forma (shape-shifter), isto é, a morte do
pensador
tridimensional e seu
renascimento no domínio n-dimensional da
consciência. Tal evento levaria ao estado dinâmico a
que Bohm se refere,
onde criação, dissolução e criação fluiriam
através de nós simultaneamente, como quanta de
energia que nascem e se vão em frações de
microssegundo, brotando de
maneira sempre renovada, sem serem
detidas, agarradas ou maculadas. A conseqüência disso — caso a tarefa
seja
bem-sucedida — é um novo paradigma do universo, da consciência e da
realidade humana.
Não será mais questão de um conhecedor que
observa o conhecido através do
abismo de conhecimento que os separa. Esse modelo de consciência desapontou-nos ao longo dos
séculos em que nos apegamos
obstinadamente a ele.
Deve
ser posto de lado, como
Bohm argumenta com muita clareza. Sua substituição
é o
austero paradigma de um campo de existência unificado, um universo autoconsciente
que se reconhece um todo íntegro e interconexo. Conhecedor
e
conhecido são, portanto, falsidades: elaborações
toscas baseadas na abstração. Não
se justificam face à
maneira como as coisas realmente são, isto é, face ao monismo que Bohm
alega
ser mais plenamente compatível com a mensagem da física moderna,
baseado nas
penetrações que, até agora, ela empreendeu pelo interior
da natureza. Embora os dados sejam aceitos pelos físicos, sua
interpretação
desses dados permanece restrita a campos que se excluem como
naturezas conscientes.
É
essa relutância e essa
restrição que Bohm está desafiando. Ele quer explorar
todas
as conseqüências da teoria da mecânica quântica e está
arriscando sua
reputação em
seu compromisso com o holomovimento. Sua visão é uma teoria de campo
unificado
com a qual a ciência nem sequer sonha, e na qual aquele que procura e aquilo que é
procurado são apreendidos
como um só, o holomovimento tornando-se transparente para
si próprio.
Tal campo unificado não é neutro nem destituído de valores, como requer
a regra
geral que impera na ciência contemporânea,
mas uma energia inteligente e compassiva, manifestando-se num domínio ainda não-nascido,
onde a física, a ética e
a religião se fundem. Para a vida humana,
a plena difusão da consciência de um tal domínio será revolucionária, e nos levará da informação
à transformação e do
conhecimento à sabedoria.