Sobre o Diálogo

Etimologicamente o termo “Diálogo” resulta da fusão das palavras gregas dia e logos. Dia significa “através”. Logos foi traduzida para o latim como ratio (razão). Mas tem vários outros significados, como “palavra”, “expressão”, “fala”, “verbo” e, principalmente, “significado” propriamente dito. Na acepção mais antiga da palavra, logos significa “relação”, “relacionamento”.

Dessa maneira, o Diálogo é uma forma de fazer circular sentidos e significados. Isso quer dizer que quando o praticamos a palavra liga em vez de separar. Reúne em vez de dividir. Assim, o Diálogo não é um instrumento que busca levar as pessoas a defender e manter suas posições, como acontece na discussão e no debate. Ao contrário, sua prática está voltada para estabelecer e fortalecer vínculos e ligações, e a formação de redes; para a identificar, explicitar e compreender os pressupostos que dificultam a percepção das relações. Daí o nome de “redes de conversação”, proposto para as experiências de reflexão conjunta, geração de idéias, educação mútua e produção compartilhada de significados.

O Diálogo é, por excelência, o processo através do qual identificamos e questionamos idéias e posições cristalizadas — os pressupostos sobre os quais se apóiam os nossos julgamentos, escolhas, preferências, ações. O Diálogo é mais do que uma técnica: é uma maneira de conduzir conversações que traz uma nova visão de mundo, de relacionamentos e de processos. Ao mesmo tempo, retoma práticas ancestrais de contato e de integração de grupos.

O Diálogo qualificado

Pensamos que sabemos dialogar, mas há muito mais a explorar nesse campo do que aprendemos na educação familiar ou formal, por exemplo. Uma parte enorme das interações do dia-a-dia, e daquilo que produzem, pode ser significativamente melhorada com a aprendizagem do Diálogo — seja no trabalho, na família, com as pessoas próximas, e até consigo mesmo. No outro extremo, a aprendizagem do Diálogo também favorece o contato entre instituições, culturas e países. Normalmente traduzimos o significado do Diálogo como negociação, barganha, ou debate envolvendo posições ou interesses conflitantes. Mas aqui referimo-nos a um Diálogo qualificado, uma forma de conversação destinada a fortalecer ligações e aprofundar as percepções que temos delas. Esse Diálogo, pouco praticado, é pré-requisito para essas negociações e contatos.

O ouvir e o Diálogo

Para dialogar, o essencial é reaprender a ouvir. O excesso crônico e desequilibrado de ação no mundo atual nos deixa com um déficit nessa capacidade de realmente ouvir o outro. Ouvir é um processo ativo, em que aquele que ouve participa da qualidade da fala que está sendo construída; uma fala que é ouvida empaticamente atinge profundidades muito maiores. Essa qualidade ativa do ouvir fica evidente na pergunta: você já tentou falar alguma coisa a alguém que realmente não quer ouvir? Ouvir é, no Diálogo, pelo menos tão importante quanto falar.

A postura dialógica

A postura dialógica promove:

  1. A inclusão da subjetividade corretamente compreendida, ou seja, a percepção dos fenômenos e seu relato conforme experienciados por cada um;
  2. A abertura de um campo comum em que é possível produzir e compartilhar significados, ainda que extremamente diferentes ou até contraditórios;
  3. A ampliação desse campo compartilhado, tornando possível produzir novas idéias e visões sobre a realidade, através de uma conexão com o particular e o geral, com as partes e a totalidade;
  4. A criação e fortalecimento dos vínculos entre as pessoas, bem como a melhora na qualidade do “cimento social” dos relacionamentos;
  5. A observação do processo do pensamento, por meio do qual se formam julgamentos e preconceitos que dificultam a troca entre os seres humanos, com o ambiente, em todos os níveis;
  6. A melhora na comunicação entre as pessoas;
  7. O aprendizado de maneiras de lidar com o automatismo concordo-discordo e outros vícios vindos da conversação habitual — cartesiana, competitiva e pouco abrangente;
  8. A criação de redes de conversação.

Aprender a dialogar

Ao contrário do que muitos pensam, dialogar requer aprendizado. Esse aprendizado se compõe de uma série de atividades que podem ser destacadas em dois passos principais:

  1. Identificar e diminuir a freqüência dos hábitos mentais que travam a nossa capacidade de ouvir — entre eles, os automatismos como o concordo-discordo, gosto-não gosto, as polarizações competitivas em torno de preferências pessoais, etc;
  2. Buscar alternativas para esses hábitos, ou seja, um novo modelo mental e de comunicação que inclua mais acesso e referências à experiência direta, não às interpretações que fazemos dela; um ouvir o outro mais completo; a capacidade de observar para além dos juízos de valor que normalmente antepomos à realidade; mais respeito, mais troca, silêncios mais significativos; uma consciência maior daquilo que realmente queremos expressar.

O Diálogo no mundo de hoje

O Diálogo busca suprir uma lacuna profunda das conversações da nossa civilização atual. Aprendemos a pensar, e consequentemente a falar, competitivamente, cartesianamente, de maneira narcisística, sem verdadeiramente incluir a subjetividade e o Outro que é diferente de nós. Julgamos, e assim afastamo-nos radicalmente da empatia e da compaixão. A nossa fala é usada mais para separar do que para unir.

A riqueza do Diálogo consiste em ser uma conversação que tem como característica aproximar pessoas, grupos, fortalecer os vínculos a partir da experiência autêntica.

Nem toda conversação é Diálogo. Diálogo é a investigação conjunta na direção de mais compreensão, conexão ou possibilidades. Qualquer comunicação que caiba nesta definição, considero Diálogo; se não cabe, não é Diálogo.

Tom Atlee

O Diálogo, os condicionamentos e as novas idéias

Uma sessão de Diálogo é um convite à emergência de idéias novas, novos significados, mais compreensão sobre questões em que a mera lógica cartesiana ou os hábitos mentais estabelecidos não conseguem penetrar. Esses hábitos, que são condicionamentos sociais, são altamente conservadores, no sentido de apresentarem resistência à mudança pelos métodos habituais de resolução de problemas ou conflitos. Dialogar permite perceber e pensar velhas questões de modo diferente.

O questionamento básico do Diálogo é simples: o que temos como certo e fora de dúvida nem sempre é o único modo de perceber o mundo. A pergunta-chave a ser feita é: “E se suspendermos ao menos temporariamente os nossos modos habituais de pensar, nossas ‘certezas’, e conversarmos livremente para ver o que acontece?” Trata-se, assim, de se tornar consciente do modo habitual de olhar, ampliar a consciência, observar a partir de outros ângulos, pensar os mesmos problemas de modo diferente.

O Diálogo e o Pensamento Complexo

Em geral, os saberes, pontos de vista e práticas mais especializados se transformam em estruturas verticalizadas que, dada a sua natureza, desenvolvem linguagens e jargões que os tornam pouco acessíveis aos não especialistas. O pensamento complexo e o Diálogo religam essas experiências, saberes, pontos de vista ou práticas que por alguma razão foram fragmentados.

Ao contrário do pensamento linear, o pensamento complexo não opta pela simplificação e pela especialização. Prefere a simplicidade e a pluralidade. A simplicidade reconhece a complexidade e aparece quando aprendemos a lidar com esta. A pluralidade reconhece o valor das especialidades, e procura saberes que possam interligá-las.

Assim, o Diálogo tem tudo a ver com o pensamento complexo. Ele é o pensamento complexo posto em prática. Multiplicar os observadores e os seus pontos de vista, e fazer com que eles interajam, tudo isso traz como resultado a percepção ampliada das propriedades novas que emergem espontaneamente nas conversações.